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Primeira Edição: Publicado pela primeira vez na íntegra na revista Sozialistische Monatshefte n.os 18-19, 1920.
Publicado segundo o texto do manuscrito. Traduzido do alemão.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!" - Edição dirigida por um colectivo composto por: José BARATA-MOURA,
Eduardo CHITAS, Francisco MELO e Álvaro PINA, tomo III, pág: 542-544.
Tradução: José BARATA-MOURA.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial
"Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.
Londres, 5 de Ag[osto] de [18]90
... Vi o livro de Paul Barth[N297] recenseado na Deutsche Worte[N298] Viena pela ave de mau agoiro Moritz Wirth, e esta crítica deixou-me uma impressão desfavorável do próprio livro. Vou dar-lhe a vista de olhos, mas tenho que dizer que, se o Moritzinho o cita rectamente quando Barth [diz] que em todos os escritos de Marx o único exemplo que pode encontrar da dependência da filosofia, das condições materiais de existência é que Descartes declara os animais [são] máquinas, um homem que pode escrever uma coisa destas me faz pena. E se o homem ainda não descobriu que, se o modo material de existência é o primum agens(1*), isso não exclui que o domínio ideal exerça de novo sobre ele uma influência [Einwirkung] de reacção, mas secundária, ele não pode possivelmente ter compreendido o objecto [Gegenstand] sobre que escreve. Mas, como foi dito, isto é tudo de segunda mão, e o Moritzinho é um amigo desastroso [fatal]. Além disso, há hoje um conjunto [de pessoas] para quem a concepção materialista da história serve de pretexto para não estudarem história. Exactamente como Marx dizia dos «marxistas» franceses do fim dos anos 70: «Tout ce que je sais, c'est que je ne suis pas Marxiste.»(2*)
Houve também uma discussão no Volks-Trib[üne] acerca da repartição dos produtos na sociedade futura, sobre se ela deverá acontecer segundo o quanto de trabalho [Arbeitsquantum] ou de outra maneira[N299]. Abordou-se a coisa também muito «materialistamente» contra certos fraseados idealistas sobre a justiça. Mas, estranhamente, não ocorreu a ninguém que o modo de repartição [Verteilungsmodus] depende todavia essencialmente de quanto há para repartir e que, por certo, isso se altera com os progressos da produção e da organização social, devendo, portanto, alterar-se também, por certo, o modo da repartição. Mas, a todos os participantes a «sociedade socialista» não apareceu como uma coisa compreendida numa contínua transformação e progresso, mas como uma coisa estável, fixada de uma vez por todas, que, portanto, deve ter também um modo de repartição fixado de uma vez por todas. De um modo racional, porém, pode-se, contudo, apenas: 1, tentar descobrir o modo de repartição com que se começará e 2. procurar encontrar a tendência geral em que o ulterior desenvolvimento se move. Sobre isto, porém, não encontro uma palavra em todo o debate.
A palavra «materialista» [materialistisch], na Alemanha, serve, em geral, a muitos escritores jovens de simples frase com que etiquetam, sem ulterior estudo, tudo e mais alguma coisa, isto é, colam esta etiqueta e, então, crêem ter resolvido a coisa. A nossa concepção da história, porém, é, antes de tudo, uma directiva [Anleitung] para o estudo, [não é] nenhuma alavanca de construções à la(3*) hegelianos [Hegelianertum]. A história toda tem de ser estudada de novo, as condições de existência [Daseinsbedingungen] das diversas formações sociais [Gesellschaftsformationen] têm que ser investigadas em pormenor, antes de se tentar deduzir a partir delas os modos de ver [Anschauungsweise] políticos, de direito privado, estéticos, filosóficos, religiosos, etc, que lhes correspondem. Relativamente a isto, até agora, só pouco aconteceu, porque só poucos se puseram seriamente a isso. Relativamente a isso, precisamos de ajuda em massa, o domínio é infinitamente grande e quem quiser trabalhar seriamente pode conseguir muito e distinguir-se. Em vez disto, porém, as frases do materialismo histórico ([e], precisamente, de tudo se pode fazer uma frase) servem a muitos jovens alemães apenas para construir ordenada e sistematicamente [systematisch zurechtzukonstruiren], o mais rapidamente possível, os seus próprios conhecimentos históricos relativamente parcos — a história económica ainda anda de cueiros! — e para parecerem então muito formidáveis. E então pode, pois, vir um Barth e atacar a coisa mesma que, pelo menos no seu meio [Umgebung], fora degradada a mera frase.
No entanto, tudo isto se resolverá. Na Alemanha, nós estamos agora suficientemente fortes para poder suportar muito. Um dos maiores serviços que a lei dos socialistas[N23] nos fez foi libertar-nos da importunidade do estudioso [Studiosus] alemão com bafos de socialismo [sozialistisch angehauscht]. Estamos agora suficientemente fortes para poder também digerir o estudioso alemão, que de novo se arma em importante. V. — V. que realmente já realizou alguma coisa — teve V. mesmo que ter observado quão poucos dos jovens literatos que se ligam ao Partido se dão ao trabalho de se entregarem à Economia, à História da Economia, à História do Comércio, da Indústria, da Agricultura, das Formações Sociais. Quantos conhecem de Maurer mais do que o nome?! A suficiência do jornalista tem aqui que conseguir tudo e [os resultados] são também a condizer. Muitas vezes, é como se esses senhores acreditassem que, para os operários, qualquer coisa é boa. Se esses senhores soubessem como Marx sustentava que as suas melhores coisas ainda não eram suficientemente boas para os operários, como ele encarava como um crime oferecer aos operários algo de inferior ao melhor de tudo!...
Notas de rodapé:
(1*) Em Latim no texto: primeiro agente, primeira causa. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(2*) Em Francês no texto: Tudo o que eu sei é que não sou marxista. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(3*) Em Francês no texto: à maneira de. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N23] Trata-se da lei de excepção contra os socialistas promulgada na Alemanha em 21 de Outubro de 1878. Em virtude desta lei foram proibidas todas as organizações do Partido Social-Democrata, as organizações operárias de massas, a imprensa operária, foi confiscada a literatura socialista e perseguidos os sociais-democratas. Por pressão do movimento operário de massas a lei foi abolida a 1 de Outubro de 1890. (retornar ao texto)
[N297] Trata-se do livro de P. Barth Die Geschichtsphilosophie Hegels und Hegelianer bis auf Marx und Hartmann (A Filosofia da História de Hegel e dos Hegelianos até Marx e Hartmann), publicado em Leipzig em 1890. (retornar ao texto)
[N298] Deutsche Worte (Palavra Alemã): revista económica e político-social austríaca que se publicou em Viena de 1881 a 1904. O artigo de M. Wirth «A Arbitrariedade em relação a Hegel e as Perseguições contra ele na Alemanha Actual» foi publicado em 1890, no n.° 5 da revista. (retornar ao texto)
[N299] Berliner Volks-Tribüne (Tribuna Popular de Berlim): semanário social-democrata, ligado ao grupo anarquista dos «jovens», publicou-se de 1887 a 1892. Os materiais referentes à discussão em torno da questão «A cada um o produto integral do seu trabalho» foram publicados no jornal de 14 de Junho até 12 de Julho de 1890. (retornar ao texto)
Inclusão | 03/10/2011 |