Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico
Primeira publicação: no livro: Frederick Engels, Socialism: Utopian and Scientific, London, 1892, e com algumas alterações, em tradução alemã do autor, na revista Die Neue Zeit, Bd. I, n.os 1 e 2, 1892-1893. Publicado segundo o texto da edição inglesa, cotejado com o da revista. Traduzido do inglês.
Fonte: MARX, ENGELS, Obras Escolhidas em 3 tomos. Lisboa: Edições Avante! - Moscovo: Edições Progresso. 1985. págs. 104-127.
Tradução: Álvaro Pina.
Transcrição e HTML: Fernando Araújo. Observação: na transcrição o texto foi adaptado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições Progresso-Editorial "Avante!" Moscovo-Lisboa, 1985.
O presente livrinho é, originalmente, uma parte de um todo mais vasto. Por volta de 1875, o Dr. E. Dühring, privatdocent(1) na Universidade de Berlim, anunciou súbita e bastante clamorosamente a sua conversão ao socialismo, e presenteou o público alemão não só com uma elaborada teoria socialista mas também com um plano prático completo para a reorganização da sociedade. Entrou, evidentemente, em conflito com os seus predecessores; e honrou Marx, acima de qualquer outro, despejando sobre ele toda a sua ira.
Isto aconteceu mais ou menos na altura em que as duas secções do Partido Socialista na Alemanha — eisenachianos e lassallianos — tinham acabado de efectuar a sua fusão, e de obter, assim, não apenas um imenso aumento de força, mas, o que era mais, a capacidade de empregar esta força toda contra o inimigo comum. O Partido Socialista na Alemanha estava a tornar-se, rapidamente, uma potência. Mas, para fazer dele uma potência, a primeira condição era que a unidade recentemente conquistada não fosse posta em perigo. Ora o Dr. Dühring preparava-se abertamente para formar, à sua volta, uma seita, o núcleo de um futuro partido separado. Tornou-se assim necessário aceitar o desafio que nos foi dirigido e lutar até ao fim, quer isso nos desagradasse ou não.
Isto, contudo, apesar de não ser super-difícil, era evidentemente um assunto de longo fôlego. Como se sabe, nós, os alemães, possuímos uma tremenda Gründlichkeit(2), uma profundidade radical ou radical idade profunda, como preferirem chamar. Sempre que um de nós expõe aquilo que considera ser uma nova doutrina, tem primeiro que a elaborar em sistema omnicompreensivo. Tem que provar que tanto os primeiros princípios da lógica como as leis fundamentais do universo existiram desde toda a eternidade sem outra finalidade que não a de, em última análise, conduzirem a esta culminante teoria recentemente descoberta. E o Dr. Dühring, a este respeito, esteve à altura do padrão nacional. Nada menos do que um completo Sistema da Filosofia, mental, moral, natural e histórica; um completo Sistema da Economia Política e do Socialismo; e, por fim, uma História Crítica da Economia Política — três grandes volumes in octavo, extrínseca e intrinsecamente pesados, três corpos de exército de argumentos mobilizados contra todos os filósofos e economistas anteriores em geral, e contra Marx em particular — de facto, uma tentativa de completa «revolução na ciência» —, era isto o que eu tinha que agarrar. Tive de tratar todos os assuntos e mais algum, desde os conceitos de tempo e espaço até ao bimetalismo; desde a eternidade da matéria e do movimento até à natureza perecível das ideias morais; desde a seleção natural de Darwin até à educação da juventude numa sociedade futura. De qualquer modo, o sistemático carácter compreensivo do meu opositor deu-me a oportunidade de desenvolver, em oposição a ele, e de uma forma mais conexa do que anteriormente tinha sido feito, as perspectivas sustentadas por Marx e eu próprio acerca desta grande variedade de assuntos. E foi esta a principal razão que me levou a encarregar-me desta tarefa, de outro modo tão ingrata.
A minha réplica foi primeiramente publicada numa série de artigos no Vorwärts de Leipzig, órgão central do Partido Socialista, e mais tarde no livro Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissensehaft [O Revolucionamento da Ciência pelo Senhor Eugen Dühring], do qual surgiu uma segunda edição em Zurique em 1886.
A pedido do meu amigo Paul Lafargue, atualmente representante de Lille na Câmara Francesa dos Deputados, organizei três capítulos deste livro para um panfleto que ele traduziu e publicou em 1880, com o título de Socialisme utopique et socialisme scientifique. A partir deste texto francês foi preparada uma edição polaca e uma espanhola. Em 1883, os nossos amigos alemães apresentaram o panfleto na língua original. Desde então foram publicadas traduções italiana, russa, dinamarquesa, holandesa e romena, baseadas no texto alemão. Assim, com a presente edição inglesa, este livrinho circula em dez línguas. Não tenho conhecimento de qualquer outra obra socialista, nem mesmo o nosso Manifesto Comunista de 1848 ou O Capital de Marx, que tenha sido tão traduzida. Na Alemanha teve quatro edições de cerca de 20 000 exemplares ao todo.
O apêndice, A Marca,(N77) foi escrito com a intenção de divulgar no seio do Partido Socialista Alemão alguns conhecimentos elementares sobre a história e o desenvolvimento da propriedade fundiária na Alemanha. Pareceu-me ainda mais necessário fazê-lo numa altura em que a assimilação por aquele partido do operariado [working people] das cidades estava em boas vias de completar-se e em que tinha de se agarrar os trabalhadores [labourers] agrícolas e os camponeses. Este apêndice foi incluído na tradução, porque as formas originais de posse [tenure] da terra, comuns a todas as tribos teutónicas, e a história da sua decadência são ainda menos conhecidas na Inglaterra do que na Alemanha. Deixei o texto tal como está no original, sem aludir à hipótese, recentemente adiantada por Maxim Kovalevski,(N78) segundo a qual a repartição das terras aráveis e dos prados pelos membros da Marca foi precedida pelo seu cultivo, por conta de todos, por uma grande comunidade familiar patriarcal abarcando várias gerações (como é exemplificado pela ainda existente zádruga da Eslávia do Sul), e a repartição, mais tarde, se deu quando a comunidade aumentara a ponto de se tornar muito difícil a sua administração por conta de todos. Kovalevski tem provavelmente toda a razão, mas a questão ainda está sub judice.(3)
Os termos económicos usados nesta obra, quando são novos, concordam com os usados na edição inglesa de O Capital de Marx. Chamamos «produção de mercadorias» à fase económica em que os artigos são produzidos não apenas para uso dos produtores mas também para fins de troca; ou seja, como mercadorias, não como valores de uso. Esta fase estende-se desde os primórdios da produção para troca até aos dias de hoje; só atinge o seu pleno desenvolvimento com a produção capitalista, ou seja, nas condições em que o capitalista, o proprietário dos meios de produção, emprega, a troco de salário, trabalhadores, pessoas que não possuem nenhuns meios de produção exceto a sua própria força de trabalho, e embolsa o excesso do preço de venda dos produtos sobre as suas despesas [outlay]. Dividimos a história da produção industrial a partir da Idade Média em três períodos:
(4)Estou perfeitamente consciente de que o conteúdo desta obra deparará com objeções de uma parte considerável do público britânico. Mas se nós, os continentais, nos tivéssemos importado com os preconceitos da «respeitabilidade» britânica,(5) estaríamos ainda em piores condições do que estamos. Este livro defende aquilo a que chamamos «materialismo histórico», e a palavra materialismo ofende os ouvidos da imensa maioria dos leitores britânicos. «Agnosticismo» podia ser tolerado, mas materialismo é absolutamente inadmissível.
E, apesar disto, a pátria de origem de todo o materialismo moderno, desde o século dezassete, é a Inglaterra.
«O materialismo é o filho nativo da Grã-Bretanha. Já o escolástico britânico(6) Duns Scotus perguntava “se era impossível à matéria pensar?”
«A fim de efectuar este milagre, refugiou-se na omnipotência de Deus, isto é, fez a teologia pregar o materialismo. Além disso, era um nominalista. Encontramos o nominalismo, a primeira forma do materialismo, principalmente entre os escolásticos ingleses.
«O real progenitor do materialismo inglês é Bacon. Para ele, a filosofia(7) natural é a única filosofia(8) verdadeira, e a física baseada na experiência dos sentidos é a parte principal da filosofia(9) natural. Como autoridades, menciona frequentemente Anaxágoras e as suas homeomerias, Demócrito e os seus átomos. Segundo ele, os sentidos são infalíveis e a fonte de todo o conhecimento. Toda a ciência se baseia na experiência, e consiste em submeter os dados fornecidos pelos sentidos a um método racional de investigação. A indução, a análise, a comparação, a observação e a experimentação são as principais formas(10) deste método racional. Entre as qualidades inerentes à matéria, o movimento é a primeira e a mais importante, não apenas sob a forma do movimento mecânico e matemático, mas principalmente sob a forma de um impulso, um espírito vital, uma tensão — ou uma “Qual”,(11) para usar um termo de Jakob Böhme — da matéria.
«Em Bacon, o seu primeiro criador, o materialismo ainda encerra dentro de si os germes de um desenvolvimento multilateral. Por um lado, a matéria, envolta num encanto sensual, poético, parece atrair toda a entidade do homem com sorrisos cativantes. Por outro, na doutrina aforisticamente formulada pululam as inconsistências importadas da teologia.
«Na sua evolução posterior, o materialismo torna-se unilateral. Hobbes é o homem que sistematiza o materialismo baconiano. O conhecimento baseado nos sentidos perde a sua floração poética e passa para a experiência abstrata do matemático; a geometria é proclamada a rainha das ciências. O materialismo torna-se misantropia. Para vencer o seu opositor, o espiritualismo misantrópico, descarnado, no próprio campo deste último, o materialismo tem de mortificar a sua própria carne e tornar-se asceta. Deste modo, de entidade sensual passa a entidade intelectual; mas é também deste modo que desenvolve toda a consistência, indiferente às consequências, característica do intelecto.
«Hobbes, como continuador de Bacon, argumenta deste modo: se todo o conhecimento humano é fornecido pelos sentidos, então os nossos conceitos e as nossas ideias não são senão fantasmas do mundo real despidos das suas formas sensuais. A filosofia(13) não pode senão dar nomes a estes fantasmas. Um nome pode ser aplicado a mais do que um deles. Pode até haver nomes de nomes. Haveria uma contradição se, por um lado, mantivéssemos que todas as ideias tinham a sua origem no mundo da sensação e, por outro, que uma palavra era mais do que uma palavra; que além dos seres por nós conhecidos pelos sentidos, seres que são todos, sem exceção, individuais, existem também seres de uma natureza geral, e não individual. Uma substância incorpórea é tão absurda como um corpo incorpóreo. Corpo, ser, substância são apenas termos diferentes para a mesma realidade. É impossível separar o pensamento da matéria que pensa. Esta matéria é o substrato de todas as mudanças que se operam no mundo. A palavra infinito não tem sentido, a menos que afirme que o nosso espírito é capaz de realizar um processo de adição sem fim. Como só podemos perceber as coisas materiais, nada podemos saber da existência de Deus. Só a minha própria existência é certa. Todas as paixões humanas são movimentos mecânicos que têm um começo e um fim. Os objetos do impulso são aquilo a que chamamos bem. O homem está sujeito às mesmas leis que a natureza. Poder e liberdade são idênticos.
«Hobbes sistematizara Bacon sem, contudo, fornecer uma prova do princípio fundamental de Bacon, a origem de todo o conhecimento humano a partir do mundo da sensação. Foi Locke quem forneceu esta prova, no seu Essay on the Human Understanding(14) [Ensaio sobre o Entendimento Humano].
«Hobbes destruíra os preconceitos teístas do materialismo de Bacon; Collins, Dodwell, Coward, Hartley, Priestley igualmente destruíram as últimas grades teológicas que ainda prendiam o sensacionalismo [sensationalism](15) de Locke. Seja como for, para os materialistas práticos(16) o deísmo não é senão uma maneira cómoda de se verem livres da religião.»(17)
Isto escreveu Karl Marx acerca da origem britânica do materialismo moderno. Pena é que os ingleses de hoje não apreciem a homenagem que ele prestou aos seus antepassados. Não obstante, é inegável que Bacon, Hobbes e Locke são os pais dessa brilhante escola de materialistas franceses que fez do século dezoito, apesar de todas as batalhas ganhas em terra e no mar pelos alemães e ingleses aos franceses, um século eminentemente francês, mesmo antes da Revolução Francesa que o culminou e cujos resultados nós, estranhos [outsiders], ainda estamos a tentar aclimatar à Inglaterra e à Alemanha.
É impossível negá-lo. Em meados deste século, qualquer estrangeiro culto que fixasse residência em Inglaterra ficava impressionado com aquilo que não podia deixar de considerar o fanatismo religioso e a estupidez da respeitável classe média inglesa. Nessa altura éramos todos materialistas ou, pelo menos, livres-pensadores muito avançados, e parecia-nos inconcebível que quase todas as pessoas educadas da Inglaterra acreditassem em toda a espécie de milagres impossíveis, e que até geólogos como Buckland e Mantell distorcessem os factos da sua ciência a fim de não colidir muito com os milagres do Génesis; enquanto para encontrar pessoas que ousassem utilizar as suas próprias faculdades intelectuais em relação a assuntos religiosos, tínhamos de ir até junto dos sem-educação, da gente «que não se lavava» [the «great unwashed»], como então eram chamados, do operariado, especialmente dos socialistas owenianos.
Mas desde então a Inglaterra «civilizou-se». A exposição de 1851(N82) foi o dobre de finados da exclusividade insular inglesa. A Inglaterra internacionalizou-se gradualmente, na dieta, nas maneiras, nas ideias; de tal modo que começo a desejar que alguns costumes e maneiras ingleses se tivessem propagado tanto no continente como outros hábitos continentais se propagaram aqui. De qualquer modo, a introdução e difusão do azeite de mesa (antes de 1851 conhecido apenas da aristocracia) têm sido acompanhadas de uma fatal difusão do ceticismo continental em matéria de religião, e chegou-se ao ponto de o agnosticismo, apesar de não ser ainda tão «fino» como a Igreja Anglicana, estar quase no mesmo plano de respeitabilidade que as seitas batistas, e decididamente acima do Exército de Salvação. E não posso deixar de acreditar que, nestas circunstâncias, será consolador para muitos, que sinceramente lamentam e condenam este progresso da incredulidade [infidelity], saber que estas «ideias de última moda» não são de origem estrangeira, não são «fabricadas na Alemanha» [«made in Germany»], como muitos outros artigos de uso diário, mas sim, indubitavelmente originárias da velha Inglaterra [Old English], e que há duzentos anos os seus originadores foram bastante mais longe do que atualmente os seus descendentes se atrevem a ir.
O que é, na verdade, o agnosticismo, se não, para empregar um expressivo termo de Lancashire, materialismo «envergonhado» [«shamefaced»]? A concepção de Natureza do agnóstico é toda ela materialista. Todo o mundo natural é governado por leis, e exclui absolutamente a intervenção de uma ação exterior. Mas, acrescenta ele, não temos meios nem de asseverar nem de refutar a existência de algum Ser Supremo para além do universo conhecido. Ora, isto poderia ser válido no tempo em que Laplace, orgulhosamente, à pergunta de Napoleão — por que razão na Mécanique céleste(18) do grande astrónomo nem sequer se mencionava o Criador — respondia: «Je n’avais pas besoin de cette hypothèse.»(19) Mas, atualmente, na nossa concepção evolutiva do universo não há absolutamente lugar nem para um Criador nem para um Governante; e falar de um Ser Supremo completamente desligado de todo o mundo existente implica uma contradição nos termos, e, quer-me parecer, um insulto gratuito aos sentimentos das pessoas religiosas.
Mais: o nosso agnóstico admite que todo o nosso conhecimento se baseia nas informações que nos são transmitidas pelos sentidos. Mas, acrescenta ele, como sabemos que os nossos sentidos nos transmitem representações corretas dos objetos que percebemos através deles? E passa a informar-nos de que sempre que fala de objetos ou das suas qualidades, na realidade não se refere a estes objetos e qualidades, dos quais nada pode saber seguramente, mas apenas às impressões que eles lhe produziram nos sentidos. Ora esta linha de raciocínio é, sem dúvida, difícil de rebater pela mera argumentação. Mas antes de existir argumentação houve ação. Im Anfang war die Tat.(20) E a ação humana tinha resolvido a dificuldade muito antes de o engenho humano a inventar. A prova do pudim está no comê-lo [The proof of the pudding is in the eating]. A partir do momento em que pomos estes objetos ao nosso uso, de acordo com as qualidades que neles percebemos, submetemos a um teste infalível a correção ou não das nossas percepções sensoriais. Se estas percepções estiverem erradas, então a nossa estimativa do uso a dar a um objeto tem também de estar errada, e a nossa tentativa tem de falhar. Mas se formos bem sucedidos no nosso objetivo, se descobrirmos que o objeto está de acordo com a ideia que temos dele, e corresponde ao fim a que o destinámos, então teremos uma prova positiva de que as nossas percepções do objeto e das suas qualidades, nesta medida, estão de acordo com a realidade fora de nós próprios. E sempre que nos encontramos perante um fracasso, não levamos, de um modo geral, muito tempo a reconhecer a causa que nos fez falhar; descobrimos que a percepção sobre a qual agimos ou era incompleta e superficial ou estava combinada com os resultados de outras percepções de uma maneira que estas não autorizavam — aquilo a que chamamos um raciocínio imperfeito. Enquanto tivermos o cuidado de treinar e utilizar adequadamente os nossos sentidos, e de manter a nossa ação dentro dos limites prescritos por percepções adequadamente alcançadas e adequadamente utilizadas, descobriremos sempre que o resultado da nossa ação prova a conformidade das nossas percepções com a natureza objetiva das coisas percebidas. Até aqui nem uma única vez fomos levados à conclusão de que as nossas percepções sensoriais, cientificamente controladas, induzem nas nossas mentes ideias respeitantes ao mundo exterior que difiram, pela sua própria natureza, da realidade, ou que existe entre o mundo exterior e as nossas percepções sensoriais dele uma incompatibilidade nata [inherent].
Mas aqui vêm os agnósticos neokantianos e dizem: podemos perceber corretamente as qualidades de uma coisa, mas não podemos apreender a coisa em si por nenhum processo sensível ou mental. Esta «coisa em si» está para além do nosso alcance. A isto há muito que Hegel respondeu: se se conhecem todas as qualidades de uma coisa, conhece-se a própria coisa; só resta o facto de a dita coisa existir sem nós; e quando os sentidos nos tiverem ensinado este facto, teremos apreendido o último resto da coisa em si, a celebrada e incognoscível Ding an sich(21) de Kant. A isto pode acrescentar-se que no tempo de Kant o nosso conhecimento dos objetos naturais era na verdade tão fragmentário que ele bem poderia suspeitar de que havia, por trás do pouco que conhecíamos sobre cada um deles, uma misteriosa «coisa em si». Mas uma após outra estas coisas inapreensíveis foram apreendidas, analisadas e, o que é mais, reproduzidas pelo progresso gigantesco da ciência; e aquilo que podemos produzir não poderemos certamente considerar como incognoscível. Para a química da primeira metade deste século, as substâncias orgânicas eram objetos misteriosos desse tipo; agora aprendemos a formá-las uma após outra a partir dos seus elementos químicos sem auxílio de processos orgânicos. Os químicos modernos declaram que assim que se conhece a constituição química seja de que objeto for, este pode ser formado a partir dos seus elementos. Ainda estamos longe de conhecer a constituição das substâncias orgânicas superiores, os corpos albuminosos; mas não há razão nenhuma para que não cheguemos a esse conhecimento, mesmo que só daqui a séculos, e para que não produzamos com ele albumina artificial. Mas se aí chegarmos, teremos simultaneamente produzido vida orgânica, porque a vida, das suas formas inferiores às superiores, não é senão o modo normal de existência dos corpos albuminosos.
Contudo, assim que o nosso agnóstico acaba de fazer estas reservas mentais, formais, fala e age como o materialista consumado que no fundo é. Pode dizer que, tanto quanto nós sabemos, a matéria e o movimento, ou como se diz agora,, a energia, não podem ser criados nem destruídos, mas que não temos provas de não terem sido criados nesta ou naquela altura. Mas se tentarmos usar este reconhecimento contra ele nalgum caso particular, ele apressar-se-á a calar-nos a boca. Se admite a possibilidade do espiritualismo in abstracto,(22) não quer nada com ele in concreto.(23) Tanto quanto sabemos e podemos saber, dir-nos-á, não há nenhum Criador nem nenhum Governante do universo; pelo que nos diz respeito, a matéria e a energia não podem ser criadas nem aniquiladas; para nós a mente é um modo da energia, uma função do cérebro; o que sabemos é que o mundo material é governado por leis imutáveis — e assim por diante. Assim, na medida em que ele é um homem de ciência, na medida em que desabe alguma coisa, é um materialista; fora da sua ciência, em esferas sobre as quais nada sabe, traduz a sua ignorância para grego e chama-lhe agnosticismo.
Em todo o caso uma coisa parece clara: mesmo que eu fosse um agnóstico, é evidente que não poderia descrever a concepção da história esboçada neste livrinho como «agnosticismo histórico». As pessoas religiosas rir-se-iam de mim, os agnósticos perguntar-me-iam, indignados, se estava a fazer pouco deles. Espero, assim, que mesmo a respeitabilidade britânica(24) não fique muito chocada se eu utilizar, em inglês bem como em tantas outras línguas, o termo «materialismo histórico» para designar aquela visão do curso da história que procura a causa última e a grande força motriz de todos os acontecimentos históricos importantes no desenvolvimento económico da sociedade, nas mudanças nos modos de produção e de troca, na consequente divisão da sociedade em classes distintas, e nas lutas destas classes entre si.
Talvez me concedam tal indulgência com maior prontidão se eu mostrar que o materialismo histórico pode ser vantajoso mesmo para a respeitabilidade britânica.(25) Mencionei o facto de, há cerca de quarenta ou cinquenta anos atrás, qualquer estrangeiro culto que se fixasse em Inglaterra ficar impressionado com o que nessa altura não podia deixar de considerar o fanatismo religioso e a estupidez da respeitável classe média inglesa. Vou agora provar que a respeitável classe média inglesa desse tempo não era tão estúpida como julgava o estrangeiro inteligente. As suas propensões religiosas podem ser explicadas.
Quando a Europa emergiu da Idade Média, a classe média ascendente das cidades constituía o seu elemento revolucionário. Tinha conquistado uma posição reconhecida dentro da organização feudal medieval, mas esta posição já se tornara demasiado estreita para o seu poder de expansão. O desenvolvimento da classe média, da burguesia, tornou-se incompatível com a manutenção do sistema feudal; o sistema feudal tinha, pois, de cair.
Mas o grande centro internacional do feudalismo era a Igreja Católica Romana. Ela unificava a Europa Ocidental feudalizada toda, apesar de todas as guerras internas, num sistema político grandioso que se opunha tanto aos gregos cismáticos como aos países maometanos. Envolvia as instituições feudais com a auréola da consagração divina. Organizara a sua própria hierarquia segundo o modelo feudal e, por fim, ela própria era de longe o mais poderoso senhor feudal, possuindo como possuía seguramente um terço do solo do mundo católico. Antes de se poder atacar com êxito o feudalismo profano em cada país e nos seus aspectos particulares, a sua organização central sagrada tinha de ser destruída.
Além disto, paralelamente à ascensão da classe média prosseguiu o grande renascimento da ciência; voltaram a ser cultivadas a astronomia, a mecânica, a física, a anatomia, a fisiologia. E para o desenvolvimento da sua produção industrial a burguesia precisava de uma ciência que lhe asseverasse as propriedades físicas dos objetos naturais e os modos de ação das forças da Natureza. Ora até aí a ciência mais não fora do que a servidora humilde da Igreja; não lhe fora permitido ultrapassar os limites impostos pela fé, e por essa razão jamais tinha sido ciência nenhuma. A ciência revoltou-se contra a Igreja; a burguesia não podia passar sem a ciência e, por isso, teve de aderir à rebelião.
O que atrás ficou dito, apesar de tocar apenas em dois dos pontos em que a classe média ascendente foi obrigada a entrar em colisão com a religião estabelecida, será suficiente para demonstrar, em primeiro lugar, que a classe mais diretamente interessada na luta contra as pretensões da Igreja Romana era a burguesia; e, em segundo lugar, que todas as lutas contra o feudalismo, nessa altura, tinham de assumir um disfarce religioso, tinham de ser dirigidas antes de mais contra a Igreja. Mas se os primeiros a soltar o grito de guerra foram as universidades e os comerciantes das cidades, tal grito ia por certo encontrar, e encontrou, um forte eco nas massas da população rural, nos camponeses, que em toda a parte tinham de lutar pela sua própria existência contra os seus senhores feudais, espirituais e temporais.
A longa luta da burguesia contra o feudalismo culminou com três grandes batalhas decisivas.
A primeira foi aquilo a que se chamou a Reforma Protestante na Alemanha. Ao grito de guerra lançado por Lutero contra a Igreja responderam duas insurreições de natureza política: primeiro a da baixa nobreza, chefiada por Franz von Sickingen, em 1523, depois a grande Guerra dos Camponeses, em 1525. Foram ambas derrotadas, sobretudo em consequência da indecisão das partes mais interessadas, os burgueses [burghers] das cidades — uma indecisão em cujas causas não podemos aqui entrar. A partir desse momento a luta degenerou num combate entre príncipes locais e o poder central, e acabou por riscar a Alemanha, durante duzentos anos, do mapa das nações politicamente ativas da Europa. A Reforma Luterana deu origem, na verdade, a um novo credo, uma religião adaptada à monarquia absoluta. Assim que os camponeses do Nordeste alemão se converteram ao luteranismo, passaram logo de homens livres a servos.
Mas onde Lutero falhou, Calvino triunfou. O credo de Calvino estava adequado à burguesia mais ousada do seu tempo. A sua doutrina da predestinação era a expressão religiosa do facto de no mundo comercial da concorrência o êxito ou o fracasso não dependerem da atividade ou da esperteza de um homem, mas de circunstâncias por ele incontroláveis. Não é do que ele quer ou persegue, mas da mercê de forças económicas superiores desconhecidas; e isto era especialmente verdade num período de revolução económica, quando todas as velhas rotas e centros comerciais foram substituídos por outros novos, quando a índia e a América foram abertas ao mundo, e quando até os mais sagrados artigos de fé económicos — o valor do ouro e da prata — começaram a abrir fendas e a ruir. A constituição da igreja de Calvino era toda ela democrática e republicana; e, sendo o reino de Deus republicanizado, poderiam os reinos deste mundo permanecer sujeitos a monarcas, bispos e senhores? Enquanto o luteranismo alemão de bom grado se tornava um joguete nas mãos dos príncipes, o calvinismo fundava uma república na Holanda e partidos republicanos ativos na Inglaterra e, principalmente, na Escócia.
No calvinismo encontrou a segunda grande sublevação burguesa a sua doutrina já pronta e preparada. Esta sublevação teve lugar em Inglaterra. A classe média das cidades deu-lhe origem, e a yeomanry [camponeses médios] dos distritos rurais decidiu-a pelas armas. E curioso verificar que nas três grandes insurreições da burguesia é o campesinato que fornece o exército que tem de combater; e o campesinato é justamente a classe que, uma vez alcançada a vitória, é com toda a certeza arruinada pelas consequências económicas dessa vitória. Cem anos após Cromwell, a yeomanry de Inglaterra quase tinha desaparecido. De qualquer modo, não fora essa yeomanry e o elemento plebeu das cidades, a burguesia só por si nunca se teria empenhado na luta nem disposto a levá-la até ao fim, e não teria nunca levado Carlos I ao cadafalso. A fim de assegurar mesmo aquelas conquistas da burguesia que na altura estavam maduras e prontas para a colheita, a revolução teve de ser levada bastante adiante — tal como em 1793 em França e em 1848 na Alemanha. Esta parece ser, de facto, uma das leis da evolução da sociedade burguesa.
Bom, a este excesso de atividade revolucionária seguiu-se necessariamente a inevitável reação, a qual por sua vez foi para além do ponto em que se poderia ter mantido. Após uma série de oscilações, o novo centro de gravidade foi finalmente alcançado e tornou-se um novo ponto de partida. O período grandioso da história inglesa, que a respeitabilidade(26) conhece pelo nome de «a Grande Rebelião» [«the Great Rebellion»], e as lutas que lhe sucederam tiveram o seu termo no acontecimento comparativamente insignificante que os historiadores liberais denominaram de «a Revolução Gloriosa» [«the Glorious Revolution»].
O novo ponto de partida era um compromisso entre a classe média ascendente e os proprietários de terras ex-feudais. Os últimos, apesar de se chamarem, como agora, a aristocracia, havia muito que trilhavam a estrada que os levaria a tornarem-se o que Louis-Philippe em França se tornou num período muito posterior, «o primeiro burguês do reino». Felizmente para a Inglaterra, os velhos barões feudais tinham-se matado uns aos outros durante as Guerras das Rosas. Os seus sucessores, apesar de na sua maioria serem descendentes das velhas famílias, encontravam-se tão afastados da linha direta de descendência que constituíram um novo corpo, com hábitos e tendências muito mais burgueses que feudais. Compreendiam perfeitamente o valor do dinheiro e começaram logo a aumentar as suas rendas expulsando das terras centenas de pequenos rendeiros e substituindo-os por carneiros. Henrique VIII esbanjou as terras da Igreja criando por atacado novos senhores da terra burgueses; ao mesmo resultado levaram as inumeráveis confiscações de propriedades que se prolongaram por todo o século dezassete, propriedades essas que foram redistribuídas por novos-ricos ou por meios novos-ricos. Por conseguinte, desde Henrique VII a «aristocracia» inglesa, longe de contrariar o desenvolvimento da produção industrial, procurou pelo contrário tirar proveito dela indiretamente; e existiu sempre um sector dos grandes proprietários de terras disposto, por razões económicas ou políticas, a cooperar com os dirigentes da burguesia financeira e industrial. O compromisso de 1689 foi, portanto, fácil de conseguir. Os despojos políticos das «riquezas e lugares» [«pelf and place»] ficaram para as grandes famílias proprietárias de terras, com a condição de que os interesses económicos da classe média comercial, manufatureira e financeira fossem suficientemente atendidos. E esses interesses económicos eram na altura suficientemente poderosos para determinarem a política geral da nação. Podia haver quezílias sobre questões de pormenor, mas, de um modo geral, a oligarquia aristocrática sabia muito bem que a sua própria prosperidade económica estava definitivamente ligada à da classe média comercial e industrial.
A partir dessa altura a burguesia era uma componente, humilde mas aceite como componente, das classes dominantes da Inglaterra. Tinha, com o resto delas, um interesse comum em manter na sujeição a grande massa trabalhadora da nação. O próprio mercador ou manufatureiro estava na posição de amo, ou como até há pouco se dizia, de «superior natural», em relação aos seus amanuenses, ao seu operariado, aos seus criados. Era interesse seu extrair deles tanto e tão bom trabalho quanto lhe fosse possível; para este fim tinham de ser treinados para a submissão adequada. Ele próprio era religioso: a sua religião proporcionara-lhe o estandarte sob o qual combatera o rei e os senhores; não tardou que descobrisse as oportunidades que essa mesma religião lhe oferecia para agir sobre as mentes dos seus inferiores naturais e os tornar submissos às ordens dos amos que a Deus prouvera colocar acima deles. Resumindo, a burguesia inglesa tinha agora que tomar parte na sujeição das «ordens inferiores», da grande massa produtora da nação, e um dos meios utilizados para este fim foi a influência da religião.
Houve um outro facto que contribuiu para fortalecer as tendências religiosas da burguesia. Foi o aparecimento do materialismo em Inglaterra. Esta nova doutrina(27) não chocava apenas os sentimentos pios da classe média; anunciava-se como uma filosofia adequada somente a eruditos e a homens mundanos cultos, em contraste com a religião, que servia para as massas sem-educação, incluindo a burguesia. Com Hobbes, o materialismo entrou em cena como defensor da prerrogativa e da omnipotência reais; apelou para a monarquia absoluta que sujeitasse aquele puer robustus sed malitiosus,(28) a saber, o povo. De modo semelhante, com os sucessores de Hobbes, com Bolingbroke, Shaftesbury, etc., a nova forma deísta do materialismo permaneceu uma doutrina esotérica, aristocrática, e, por isso, odiosa para a classe média, tanto pela sua heresia religiosa como pelas suas conexões políticas anti-burguesas. Consequentemente, em oposição ao materialismo e ao deísmo da aristocracia, aquelas seitas protestantes que tinham fornecido a bandeira e o contingente que lutou contra os Stuarts continuaram a fornecer a força principal da classe média progressiva, e formam ainda hoje a espinha dorsal do «Grande Partido Liberal».
Entretanto o materialismo passou de Inglaterra para França, onde se encontrou e coalesceu com outra escola materialista de filósofos, um ramo do cartesianismo. Também em França continuou a ser, a princípio, uma doutrina exclusivamente aristocrática. Mas em breve o seu carácter revolucionário se afirmou. Os materialistas franceses não limitaram a sua crítica a assuntos de crença religiosa; alargaram-na a toda e qualquer tradição científica ou instituição política que se lhes deparasse; e para provarem o direito da sua doutrina à aplicação universal meteram pelo caminho mais curto, e aplicaram-na audaciosamente a todos os assuntos do conhecimento na obra gigantesca da qual lhes veio o nome — a Encyclopédie [Enciclopédia]. Assim, numa ou noutra das suas duas formas — materialismo declarado ou deísmo — tornou-se o credo de toda a juventude culta de França; de tal modo que, quando rebentou a Grande Revolução, a doutrina incubada pelos Realistas(29) Ingleses deu uma bandeira teórica aos Republicanos e aos Terroristas(30) Franceses e forneceu o texto para a Declaração dos Direitos do Homem.
A Grande Revolução Francesa foi a terceira insurreição da burguesia, mas a primeira que pôs completamente de parte o manto religioso e que combateu em linhas políticas indisfarçadas; foi também a primeira em que realmente se lutou até à destruição de um dos combatentes, a aristocracia, e ao completo triunfo do outro, a burguesia. Em Inglaterra, a continuidade das instituições pré-revolucionárias e pós-revolucionárias, e o compromisso entre senhores da terra e capitalistas, encontraram a sua expressão na continuidade dos precedentes judiciais e na religiosa(31) preservação das formas feudais da lei. Em França, a Revolução constituiu uma rotura completa com as tradições do passado; varreu os últimos vestígios do feudalismo, e criou no Code Civil(N88) uma adaptação magistral do antigo direito romano — essa expressão quase perfeita das relações jurídicas correspondentes ao estádio económico a que Marx chamou de produção de mercadorias — às condições capitalistas modernas; tão magistral que este código revolucionário francês ainda serve de modelo a reformas do direito de propriedade em todos os outros países, sem exceção da Inglaterra. Não devemos, contudo, esquecer que se a lei inglesa continua a exprimir as relações económicas da sociedade capitalista nessa linguagem feudal bárbara que corresponde à coisa expressa tal como a ortografia inglesa corresponde à pronúncia inglesa — vous écrivez Londres et vous prononcez Constantinople(32) — disse um francês —, essa mesma lei inglesa é a única que preservou através dos tempos, e que transmitiu à América e às Colónias, a melhor parte daquela velha liberdade pessoal germânica, daquele velho autogoverno local germânico e daquela velha independência germânica face a todas as interferências exceto às dos tribunais, que no continente se perderam durante o período da monarquia absoluta e que em parte alguma foram até hoje plenamente recuperadas.
Voltemos ao nosso burguês britânico. A Revolução Francesa deu-lhe uma esplêndida oportunidade de, com o auxílio das monarquias continentais, destruir o comércio marítimo francês, anexar colónias francesas e esmagar as últimas pretensões francesas de rivalidade marítima. Esta uma das razões por que a combateu. Outra foi o facto de esta revolução seguir por caminhos que lhe iam decididamente a contrapelo. Não apenas o terrorismo «execrável», mas a própria tentativa para levar aos extremos a dominação da burguesia. Que faria o burguês britânico sem a sua aristocracia, que lhe ensinara maneiras, as que tinha, que inventara modas para ele, que fornecia oficiais para o exército, que mantinha a ordem no país, e para a marinha, que conquistava possessões coloniais e novos mercados no estrangeiro? É certo que havia uma minoria progressiva da burguesia, a minoria cujos interesses não eram tão satisfatoriamente respeitados no compromisso; este sector, composto principalmente pela classe média menos rica, simpatizava de facto com a Revolução, mas não tinha poder no Parlamento.
Assim, se o materialismo se tornou o credo da Revolução Francesa, o burguês inglês temente a Deus mais se agarrou à sua religião. O reinado do Terror em Paris não tinha provado o que aconteceria se os instintos religiosos das massas se perdessem? Quanto mais o materialismo alastrava de França para os países vizinhos e era reforçado por correntes doutrinárias semelhantes, em particular pela filosofia alemã, quanto mais o materialismo e o livre-pensamento em geral se tornavam, de facto, no Continente as qualificações necessárias a um homem culto, tanto mais teimosamente a classe média inglesa se apegava aos seus vários credos religiosos. Estes credos podiam diferir uns dos outros, mas eram, todos eles, credos cristãos, nitidamente religiosos.
Enquanto a Revolução assegurava o triunfo político da burguesia em França, em Inglaterra Watt, Arkwright, Cartwright e outros iniciavam uma revolução industrial, que deslocou completamente o centro de gravidade do poder económico. A riqueza da burguesia aumentava de um modo consideravelmente mais rápido do que a da aristocracia fundiária. No seio da própria burguesia, a aristocracia financeira, os banqueiros, etc., eram cada vez mais empurrados para segundo plano pelos manufatureiros. O compromisso de 1689, mesmo depois de ter sofrido mudanças graduais em favor da burguesia, já não correspondia às posições relativas das partes nele interessadas. Também tinha mudado o carácter destas partes; a burguesia de 1830 era muito diferente da do século precedente. O poder político ainda deixado à aristocracia e por ela utilizado para resistir às pretensões da nova burguesia industrial tornou-se incompatível com os novos interesses económicos. Tornava-se necessária uma nova luta com a aristocracia; só podia terminar por uma vitória do novo poder económico. Primeiro fez-se aprovar o Reform Act, apesar de toda a resistência, sob o impulso da Revolução Francesa de 1830. Ele deu à burguesia um lugar reconhecido e poderoso no Parlamento. Depois a revogação das Corn Laws, que estabeleceu, de uma vez por todas, a supremacia da burguesia, e especialmente da sua parte mais ativa, os manufatureiros, sobre a aristocracia fundiária. Foi esta a maior vitória da burguesia; foi, contudo, também a última que ganhou no seu exclusivo interesse. Todos os triunfos que mais tarde veio a obter, teve de os partilhar com um novo poder social, primeiro seu aliado, mas em breve seu rival.
A revolução industrial criara uma classe de grandes capitalistas manufatureiros, mas também uma classe — e muito mais numerosa — de operariado manufatureiro. Esta classe aumentou gradualmente em número, na proporção em que a revolução industrial foi conquistando um após outro todos os ramos de manufatura, e na mesma proporção aumentou em poder. Este poder provou-o ela logo em 1824, ao forçar um Parlamento relutante a revogar as leis que proibiam as associações [combinations] de operários.(N91) Durante a agitação pela reforma [eleitoral], os operários constituíram a ala radical do partido da Reforma; dado que a Lei de 1832 os excluíra do sufrágio, formularam as suas reivindicações na People’s Charter e constituíram-se, em oposição ao grande partido burguês Anti-Corn Law, num partido independente, os Cartistas, o primeiro partido operário dos tempos modernos.
Vieram depois as revoluções continentais de Fevereiro e de Março de 1848, nas quais o operariado desempenhou um papel proeminente, e, pelo menos em Paris, adiantou reivindicações que eram certamente inadmissíveis do ponto de vista da sociedade capitalista. Veio então a reação geral. Primeiro a derrota dos Cartistas em 10 de Abril de 1848,(N94) depois o esmagamento da insurreição dos operários de Paris em Junho do mesmo ano, depois os desastres de 1849 em Itália, na Hungria, na Alemanha do Sul, e por fim a vitória de Louis Bonaparte sobre Paris, a 2 de Dezembro de 1851.(N95) Pelo menos por uns tempos fora afastado o espantalho das pretensões da classe operária, mas por que preço! Se antes o burguês inglês se tinha convencido da necessidade de manter o povo comum num estado de espírito religioso, como não havia de sentir ainda mais essa necessidade após todas estas experiências? Sem se importar com os motejos dos seus pares continentais, continuou a gastar milhares e dezenas de milhares, ano após ano, com a evangelização das ordens inferiores; não satisfeito com o seu próprio mecanismo religioso nativo, apelou para o Irmão Jonathan, o maior organizador que existe da religião como negócio, e importou da América o revivalismo, Moody e Sankey e outros que tais; e, finalmente, aceitou o perigoso auxílio do Exército de Salvação, que faz reviver a propaganda do cristianismo primitivo, apela para os pobres como para eleitos, combate o capitalismo de uma maneira religiosa, e deste modo fomenta um elemento do antagonismo de classe cristão-primitivo, o que pode um dia vir a ser incómodo para a gente abastada que agora lhe dá dinheiro.
Parece ser uma lei do desenvolvimento histórico o facto de a burguesia não poder em nenhum país europeu assenhoriar-se do poder político — pelo menos durante muito tempo — da mesma maneira exclusiva por que a aristocracia feudal o deteve durante a Idade Média. Mesmo em França, onde foi completamente extinto o feudalismo, a burguesia, no seu conjunto, só deteve posse plena do Governo por períodos muito curtos. Durante o reinado de Louis-Philippe, de 1830 a 1848, uma parte muito pequena da burguesia dominou o reino; na sua grande maioria estava excluída do sufrágio pelos elevados requisitos [censitários]. Na segunda República, de 1848 a 1851, toda a burguesia dominou, mas apenas durante três anos; a sua incapacidade levou ao segundo Império. Só agora, na terceira República,(97) é que a burguesia como um todo se tem mantido ao leme há mais de vinte anos; e mostra já sinais evidentes de decadência. Um reinado duradoiro da burguesia só tem sido possível em países como a América, onde o feudalismo era desconhecido e a sociedade, logo de princípio, partiu de uma base burguesa. E mesmo na França e na América os sucessores da burguesia, o operariado, já estão a bater à porta.
Na Inglaterra, a burguesia nunca deteve um domínio [sway] indiviso. Mesmo a vitória de 1832 deixou a aristocracia fundiária na posse quase exclusiva de todos os postos principais do Governo. A docilidade com que a classe média rica se submeteu a isto permaneceu inconcebível para mim até que o grande manufatureiro liberal, o senhor W. E. Forster, num discurso público, implorou aos jovens de Bradford que aprendessem francês para poderem subir na vida, e referiu, da sua própria experiência, que se sentia a fazer uma triste figura quando, como ministro, tinha que frequentar a sociedade, onde o francês era pelo menos tão necessário como o inglês! O facto era que a classe média inglesa desse tempo era constituída, em regra, por novos-ricos completamente sem-educação, e não pôde evitar de deixar à aristocracia aqueles lugares superiores do governo em que eram exigidas outras habilitações que não a tacanhez insular e a vaidade insular, temperadas com a esperteza para o negócio.(33) Mesmo agora os debates infindáveis nos jornais acerca da educação da classe média mostram que a classe média inglesa ainda não se considera suficientemente boa para a melhor educação e procura algo mais modesto. Assim, mesmo após a revogação das Corn Laws, pareceu naturalíssimo que os homens que levaram a melhor, os Cobden, os Bright, os Forster, etc., continuassem a ficar excluídos de uma participação no governo oficial do país, até que vinte anos mais tarde um novo Reform Act(N98) lhes abriu a porta do Gabinete. Até hoje a burguesia inglesa está tão imbuída de um sentimento de inferioridade social que mantém, à sua custa e à custa da nação, uma casta ornamental de zângãos que representam condignamente a nação em todas as funções de Estado; e considera-se altamente honrada sempre que alguém seu é achado digno de ser admitido neste corpo seleto e privilegiado, fabricado afinal por ela própria.
A classe média industrial e comercial não tinha ainda, portanto, conseguido expulsar por completo a aristocracia fundiária do poder político quando surgiu em cena outro concorrente, a classe operária. A reação que se seguiu ao movimento cartista e às revoluções continentais, bem como a expansão sem paralelo do comércio inglês de 1848 a 1866 (atribuída vulgarmente apenas ao Livre-Câmbio, mas devida sobretudo ao desenvolvimento colossal dos caminhos-de-ferro, transatlânticos e meios de comunicação em geral), tinham colocado de novo a classe operária na dependência do Partido Liberal, do qual formava, como nos tempos pré-cartistas, a ala radical. As suas reivindicações sobre o voto, contudo, tornaram-se gradualmente irresistíveis; enquanto os chefes Whigs dos Liberais «entravam em pânico», Disraeli mostrou a sua superioridade fazendo os Tories aproveitarem o momento favorável e introduzirem o sufrágio por chefe de família [household suffrage] nas circunscrições eleitorais urbanas [boroughs], juntamente com uma redistribuição dos lugares. Seguiu-se o escrutínio secreto [ballot](N99) depois, em 1884, a extensão do sufrágio por chefe de família aos condados e uma nova redistribuição de lugares, pelo que os distritos eleitorais ficaram até certo ponto equilibrados. Todas estas medidas aumentaram consideravelmente o poder eleitoral da classe operária, de tal modo que pelo menos em 150 a 200 círculos eleitorais [constituences] aquela classe fornece atualmente a maioria dos eleitores. Mas o governo parlamentar é uma escola capital para ensinar o respeito pela tradição; se a classe média considera com profundo respeito e veneração aquilo a que Lord John Manners chamou por graça a «nossa velha nobreza», a massa do operariado olhava então com respeito e deferência aquilo a que se costumava chamar «os seus superiores [betters]», a classe média. Na verdade, o operário britânico era, acerca de quinze anos, o operário modelo, cuja consideração respeitosa pela posição do patrão e cuja modéstia comedida na reivindicação dos seus direitos eram uma consolação para os nossos economistas alemães da escola Socialista de Cátedra [Katheder-Socialist]face às tendências comunistas e revolucionárias incuráveis dos operários do seu próprio país.
Mas a classe média inglesa — bons homens de negócios como são — viu mais longe do que os professores alemães. Tinha compartilhado o seu poder com a classe operária, mas só relutantemente. Tinha ficado a saber, nos anos do Cartismo, do que o povo, o puer robustus sed malitiosus, era capaz. E desde essa altura tinha sido obrigada a incorporar a melhor parte da People's Charter nos Estatutos do Reino Unido. Agora, mais do que nunca, o povo tem que ser mantido na ordem por meios morais, e o primeiro e mais importante de todos os meios morais de ação sobre as massas é e continua a ser — a religião. Daí as maiorias de padres nos school boards,(34) daí a crescente auto-taxação da burguesia para apoio a todas as espécies de revivalismo, desde o ritualismo até ao Exército de Salvação.
E agora veio o triunfo da respeitabilidade(35) britânica sobre o livre-pensamento e a lassidão religiosa do burguês continental. Os operários da França e da Alemanha tinham-se tornado rebeldes. Estavam profundamente contagiados pelo socialismo e, por razões muito boas, não tinham quaisquer escrúpulos quanto à legalidade dos meios com que haviam de assegurar a sua própria ascendência. De dia para dia o puer robustus tornara-se aqui mais malitiosus. Não restava senão à burguesia francesa e alemã deitar silenciosamente fora, como último recurso, o livre-pensamento, da mesma maneira que um rapaz, discretamente, deita fora, quando o enjoo o ataca, o charuto aceso que por bravata trouxera para bordo; um a um os zombadores tornaram-se devotos no comportamento exterior, passaram a falar com respeito da Igreja, dos seus dogmas e ritos, e até a observar estes últimos quando inevitável. Os burgueses franceses jantavam maigre(36) às sextas-feiras, e os alemães ouviam até ao fim os longos sermões protestantes dos domingos, sentados nos seus bancos. Com o materialismo tinham sofrido um desaire. «Die Religion muss dem Volk erhalten werden» — a religião tem de ser mantida viva para o povo — eis o único e último meio de salvar a sociedade da ruína total. Infelizmente para eles, não descobriram isto senão quando tinham feito tudo o que lhes era possível para arruinar para sempre a religião. E era agora a vez de o burguês inglês zombar e dizer: «Olhem, idiotas, eu podia ter-vos dito isso há duzentos anos!»
Receio bem, contudo, que nem a estolidez religiosa do burguês britânico, nem a conversão post festum(37) do burguês continental, possam sustar a maré-cheia proletária. A tradição é uma grande força retardadora, é a vis inertiae(38) da história, mas, sendo meramente passiva, será seguramente quebrada; e deste modo a religião não será salvaguarda duradoira para a sociedade capitalista. Se as nossas ideias jurídicas, filosóficas e religiosas são as vergônteas mais ou menos remotas das relações económicas prevalecentes numa determinada sociedade, tais ideias não podem, a longo prazo, resistir aos efeitos de uma mudança completa nestas relações. E, a menos que acreditemos na revelação sobrenatural, temos de admitir que nenhum princípio religioso bastará alguma vez para escorar uma sociedade abalada.
De facto, também na Inglaterra o operariado começou de novo a movimentar-se. Está, sem dúvida, agrilhoado por tradições de vários tipos. Tradições burguesas, como a crença muito espalhada de que só pode haver dois partidos, os Conservadores e os Liberais, e de que a classe operária tem de alcançar a sua salvação no seio e por meio do grande Partido Liberal. Tradições operárias, herdadas dos seus primeiros esforços em busca de uma ação independente, tal como a exclusão, de tantas velhas Trade Unions, de todos os candidatos que não tinham passado por um aprendizado regulamentar; o que significa, para cada uma dessas Trade Unions, a criação dos seus próprios fura-greves. Mas, apesar de tudo isso, a classe operária inglesa está em movimento, como até o professor Brentano teve pesarosamente de relatar aos seus irmãos Socialistas de Cátedra [Katheder-Socialists]. Ela move-se, como todas as coisas em Inglaterra, com um passo lento e medido, aqui com hesitações, ali com tentativas incertas e mais ou menos infrutíferas; move-se de vez em quando com uma desconfiança mais que cautelosa do nome socialismo, ao mesmo tempo que gradualmente lhe absorve a substância; e o movimento alarga-se e conquista uma camada após outra de operários. Agora sacudiu do seu torpor os trabalhadores não especializados do East End de Londres, e todos conhecemos o esplêndido impulso que estas novas forças lhe deram em troca. E se a velocidade do movimento não é à medida da impaciência de algumas pessoas, que estas não esqueçam que é a classe operária quem mantêm vivas as melhores qualidades do carácter inglês, e que, uma vez que na Inglaterra se ganhe um passo em frente, regra geral ele nunca mais se perde. Se os filhos dos velhos Cartistas, por razões acima explicadas, não estiverem bem à altura que se poderia esperar, os netos parecem prometer ser dignos dos seus avós.
Mas o triunfo da classe operária europeia não depende só da Inglaterra. Só pode ser assegurado pela cooperação de, pelo menos, a Inglaterra, a França e a Alemanha.(N102) Nos dois últimos países o movimento da classe operária vai bem à frente da Inglaterra. Na Alemanha está mesmo a uma distância mensurável do êxito. Não tem paralelo o progresso aí realizado durante os últimos vinte e cinco anos. Avança com velocidade sempre crescente. Se a classe média alemã se tem mostrado lamentavelmente deficiente em capacidade política, disciplina, coragem, energia e perseverança, a classe operária alemã tem dado amplas provas de todas estas qualidades. Há quatrocentos anos a Alemanha foi o ponto de partida da primeira sublevação da classe média europeia; tal como as coisas estão atualmente, excederá os limites do possível que a Alemanha venha a ser também a cena da primeira grande vitória do proletariado europeu?
Notas de rodapé:
(1) Privatdozent era na Alemanha um professor com autorização para ensinar numa universidade, sem fazer parte do seu corpo docente. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto) (retornar ao texto)
(2) Em alemão no texto. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(3) Em latim no texto: em juízo, em discussão. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(4) Começa aqui a parte da introdução traduzida por Engels para alemão e publicada na revista Die Neue Zeit com o título Uber historischen Materialismus [Sobre o Materialismo Histórico]. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(5) Na tradução alemã do autor publicada na revista Die Neue Zeit, este acrescenta: «isto é, do filistério britânico». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(6) No texto de Die heilige Familie, oder Kritik der kritischen Kritik. Gegen Bruno Bauer & Consorten [A Sagrada Família, ou Crítica da Crítica Crítica. Contra Bruno Bauer & Consortes] que Engels está a citar em vez de «britânico» «seu». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(7) No texto de A Sagrada Família: Wissenschaft, ciência. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(8) No texto de A Sagrada Família: Wissenschaft, ciência. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(9) No texto de A Sagrada Família: Wissenschaft, ciência. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(10) No texto de A Sagrada Família: Hauptbedingungen, condições principais. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(11) Qual é um trocadilho filosófico. Qual significa literalmente tortura, uma dor que leva a uma ação de uma espécie qualquer; ao mesmo tempo o místico Böhme introduz na palavra alemã algo da significação do latim qualitas;(12) em contraste com uma dor infligida a partir de fora, a sua Qual era o princípio ativador que surge do, e por sua vez promove, desenvolvimento espontâneo da coisa, relação ou pessoa a ela sujeitas. (Nota de Engels no texto inglês; não figura na tradução alemã publicada na revista Die Neue Zeit.) (retornar ao texto)
(12) Em latim no texto: qualidade. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(13) No texto de A Sagrada Família: Wissenschaft, ciência. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(14) Cf. John Locke, An Essay Concerning Human Understanding [Um Ensaio Concernente ao Entendimento Humano], London, 1690. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(15) No texto de A Sagrada Família: Sensualismus, sensualismo. Em qualquer dos casos trata-se de uma referência ao sensismo de Locke. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(16) No texto de A Sagrada Família «práticos» não figura. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(17) K. Marx und F. Engels, Die heilige Familie, Frankfurt a. M. 1845, pp. 201-204. (Nota de Engels.) Cf. MEW, Bd. 2, S. 135-136. Para além das indicadas, há ainda outras pequenas divergências entre a edição original alemã e a versão inglesa que Engels aqui fornece. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(18) Trata-se da obra de Pierre-Simon Laplace: Traité de mécanique céleste, [Tratado de Mecânica Celeste], t. 1-5, Paris, [ 1798/1799]-1825. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(19) Em francês no texto: Eu não precisava desta hipótese. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(20) Em alemão no texto: No princípio era a ação. Goethe, Faust [Fausto], parte I, cena III. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(21) Em alemão no texto: coisa em si. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(22) Em latim no texto: em abstrato. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(23) Em latim no texto: em concreto. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(24) Na tradução alemã publicada em Die Neue Zeit Engels acrescenta: «a que em alemão se chama filistério». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(25) Na tradução alemã publicada em Die Neue Zeit Engels escreve: «do filisteu britânico». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(26) Na tradução alemã publicada em Die Neue Zeit Engels escreve: «o filistério». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(27) Na tradução alemã publicada em Die Neue Zeit Engels acrescenta: «ateia». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(28) Em latim no texto: rapaz robusto mas malicioso. Cf. Thomas Hobbes, De Cive [Do Cidadão], prefácio. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(29) Isto é: partidários da Realeza. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(30) Designação derivada do chamado tempo do Terror. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(31) Na tradução alemã publicada em Die Neue Zeit Engels substituiu por: «respeitosa». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(32) Em francês no texto: vocês escrevem Londres e pronunciam Constantinopla. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(33) E até em matéria de negócios a vaidade do chauvinismo nacional não é senão um pobre conselheiro. Até muito recentemente, o manufatureiro inglês corrente considerava humilhante para um inglês falar outra língua que não a sua, e sentia mais orgulho do que outra coisa pelo facto de os «pobres diabos» dos estrangeiros se estabelecerem em Inglaterra e lhe tirarem das mãos a maçada de colocar os seus produtos no estrangeiro. Nunca se apercebeu de que estes estrangeiros, na maior parte alemães, tomaram assim conta de uma grande parte do comércio externo britânico, das importações e exportações, e de que o comércio externo direto dos ingleses ficou limitado, quase inteiramente, às colónias, à China, aos Estados Unidos e à América do Sul. Nem se apercebeu de que estes alemães negociavam com outros alemães no estrangeiro, os quais gradualmente organizaram uma rede completa de colónias comerciais em todo o mundo. Mas quando a Alemanha, há cerca de quarenta anos, começou a manufaturar a sério para exportação, esta rede serviu admiravelmente a sua transformação, em tão pouco tempo, de país exportador de trigo em país industrial de primeiro plano. Então, mais ou menos há dez anos, o manufatureiro inglês assustou-se e perguntou aos seus embaixadores e cônsules por que motivo ele já não conseguia manter todos os seus clientes. A resposta unânime foi: 1) Não aprende a língua do cliente e está à espera que ele fale a sua; 2) Nem sequer tenta adaptar-se às necessidades, aos hábitos e gostos do cliente, e espera que ele se conforme com os seus, ingleses. (Nota de Engels.) (retornar ao texto)
(34) School boards: corpo de administradores eleito pelos contribuintes numa cidade ou paróquia para providenciar os meios de instrução adequados. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(35) Na tradução alemã publicada em Die Neue Zeit Engels substitui por: «respeitável filistério». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(36) Em francês no texto: literalmente, magro; a expressão significa aqui: fazer abstinência. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(37) Em latim no texto: depois da festa, isto é, depois dos acontecimentos. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(38) Em latim no texto: força da inércia. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
(N77) Na presente edição não se publica o trabalho de Engels Die Mark (A Marca) (retornar ao texto)
(N78) Engels refere-se aos trabalhos de M. M. Kovalevski Tableu des origines et l'evolution de la famille et de la propriété (Quadro das Origens e da Evolução da Família e da Propriedade), publicado em 1890 em Estocolmo, e Pervobítnoe pravo (Direito Privado), fascículo I, A Gens, Moscovo, 1886. (retornar ao texto)
(N82) Trata-se da primeira exposição comercial e industrial mundial, que se realizou em Londres de Maio a Outubro de 1851. (retornar ao texto)
(N88) Aqui e nas referências subsequentes Engels entende por Code civil (Código Civil) ou Code Napoléon (Código de Napoleão) todo o sistema do direito burguês, representados pelos cinco códigos (civil, civil-processual, comercial, penal e processual-penal), adotados sob Napoleão I nos anos de 1804 a 1810. Estes códigos foram implantados nas regiões da Alemanha Ocidental e Sul-Ocidental conquistadas pela França de Napoleão e continuaram em vigor na província do Reno mesmo depois da anexação desta pela Prússia em 1815. (retornar ao texto)
(N91) Em 1824, o Parlamento inglês, pressionado pelo movimento de massas dos operários, foi obrigado a adotar uma lei abolindo a proibição das organizações operárias (trade unions) (retornar ao texto)
(N94) A manifestação de massas marcada pelos cartistas para 10 de abril de 1848 em Londres, com o objetivo de entregar ao Parlamento a petição sobre a aprovação da Carta do Povo, fracassou devido à indecisão e às vacilações dos seus organizadores. O fracasso da manifestação foi utilizado pelas forças da reação para o lançamento de uma ofensida contra os operários e de ações repressivas contra os cartistas. (retornar ao texto)
(N95) Trata-se do golpe de Estado realizado por Luís Bonaparte a 2 de dezembro de 1851, que deu início ao regime bonapartista do Segundo Império. (retornar ao texto)
(N97) O Segundo Império de Napoleão III existiu em França entre 1852 e 1870, e a Terceira República entre 1870 e 1940. (retornar ao texto)
(N98) Em 1867, na Inglaterra, sob a influência do movimento operário de massas, realizou-se a segunda reforma parlamentar. O Conselho Geral da I Internacional paarticipou ativamente no movimento que reivindicava esta reforma. Em resultado dela, o número de eleitores em Inglaterra aumentou para mais do dobro e uma parte dos operários qualificados conquistou o direito de voto. (retornar ao texto)
(N99) O voto secreto foi introduzido em 1872. (retornar ao texto)
(N102) Esta conclusão sobre a possibilidade da vitória da revolução proletária apenas no caso de ser simultânea nos países capitalistas avançados, e, portanto, sobre a impossibilidade da revolução em um só país, era justo para o período do capitalismo pré-monopolista. Recebeu a sua formulação mais acabada em 1847 no trabalho de Engels Princípios Básicos do Comunismo. Nas novas condições histórica, no período do capitalismo, V. I. Lénine, partindo da lei por ele descoberta da desigualdade do desenvolvimento económico e político do capitalismo na época do imperialismo, chegou a uma nova conclusão: a da possibilidade da vitória da revolução socialista inicialmente apenas em alguns países ou mesmo num só e a impossibilidade da vitória simultânea da revolução em todos ou na maioria dos países. A primeira formulação desta nova conclusão foi feita no trabalho de V. I. Lénine intitulado Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos na Europa (1915). (retornar ao texto)