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Toda a nossa estrutura econômica que nos dias de hoje se estiola está a exigir reformas profundas, que tirem o Brasil da miséria, do atraso que diríamos, parodiando Lenin, ao se referir à Rússia tzarista de 1913 a 1914: "Atraso progressivo em que marchamos".
O atraso de nosso povo, o atraso do Brasil é, sem dúvida, dos maiores no mundo contemporâneo e pemito-me citar alguns números de documentos de nosso Partido, de janeiro deste ano.
Dizíamos naquela época, buscando justamente as causas desse atraso, mas constatando previamente este atraso:
"Nosso atraso, dizíamos, se acentua cada vez mais, tornando mais sérias as contradições que ameaçam fazer saltar toda a nossa economia nacional. Nossa indústria secundária, por exemplo..."
Quando digo indústrias secundárias, refiro-me às de tecidos e calçados, as mais importantes de nossa pátria.
"... não pode crescer por falta de mercado interno, pela precariedade dos meios de transporte, pela debilidade de nossa indústria pesada, pela falta de energia barata, etc.. A produção de energia elétrica no Brasil não passa de 65 kW-h por habitante, segundo os últimos dados, enquanto nos Estados Unidos em 1938 já era de 1.160 kW-h por habitante, isto é, quase 18 vezes maior. A de ferro gusa, 7 vezes maior; a de aço, 11 vezes maior; a de carvão, mais de cem vezes maior e a de cimento, mais de 8 vezes maior. O nosso trabalhador, tecnicamente desarmado e enfermo no seu trabalho de sol a sol, mal consegue arrancar da terra uma qüinquagésima parte do que obtém o camponês médio norte-americano.
Esses são alguns índices apenas do nosso atraso, da gravidade crescente da situação da economia nacional que está a exigir um ritmo novo e maior na solução de problemas fundamentais se queremos evitar o caos, a guerra civil, a completa colonização do país".
Há patriotas sinceros que se deixam levar pelo entusiasmo e proclamam o desenvolvimento e o crescimento do progressivo em nossa pátria. Nos últimos anos da ditadura, que nos minou por 15 anos, se falava muito em progresso industrial. É falso. Como haver progresso industrial se não temos na verdade mercado para nossa indústria? Chegou-se mesmo a dizer, partindo de números relativos à exportação de tecidos, que o Brasil já era um país industrial. Não é admissível afirmação dessa natureza para quem conheça algo de economia; não há país industrial em que falte justamente a indústria pesada, a siderúrgica, a de energia carbonífera, petrolífera ou, pelo menos, de energia elétrica. Já vimos os números ridículos de quilowatts-hora por habitante do Brasil em comparação com os países realmente avançados.
Nossa própria indústria de tecidos, a mais desenvolvida de todas, é ridícula, se a compararmos com as mais modernas. O tecelão norte-americano trabalha com 18 a 20 teares; o brasileiro, nas nossas míseras fábricas, trabalham no máximo com dois ou três. E não faço referência à União Soviética, onde os operários especializados, em grupos de quatro, cuidam de 160 teares.
A verdade é que o Brasil chegou, nos dias de hoje, a constituir um dos países mais atrasados do mundo.
No entanto, quais as causas desse atraso?
Esta a atitude científica do patriota: buscar a causa. Muitos dos patriotas, em nosso país, anos seguidos, isso investigam. Fala-se de raça, de geografia, do clima, da densidade demográfica. Procuram-se explicações para esse atraso, desde Euclides da Cunha com seu célebre livro dividido em dois capítulos – a Terra e o Homem — repetido depois pelos que lhe sucederam em obras publicitárias da mesma natureza, mas nenhum encontrando a razão científica, real, desse atraso.
Quanto à justificação racial, foi afastada há poucos anos do debate público, porque Hitler, utilizando o racismo, deu a estas tendências para explicações de fenômenos sociais a marca definitiva do nazismo, da chantagem, da preocupação de enganar o povo, ocultando a verdadeira causa do atraso e da miséria.
A respeito ainda da geografia e do clima, muito se fala aqui em nossa Pátria. Não são poucos os nossos sociólogos e economistas, homens sinceros, que buscam a explicação simplista do nosso atraso no clima tropical, na situação desgraçada — dizem eles — de nossa geografia; explicação, no entanto, que todos nós, patriotas, muito devia comover, pois, se a causa do nosso retardamento está na geografia, em nossa situação tropical, precisaríamos esperar um terremoto para alcançar o progresso que todos almejamos.
Nós, marxistas, porém, encontramos outros motivos. Quem no-lo diz é a ciência social, a única verdadeira para nós — o materialismo histórico, o materialismo dialético, o marxismo. É a ciência da evolução social que nos aponta, com exemplos, com a realidade dos próprios dias que atravessamos, que o adiantamento de cada povo está, sem dúvida, dependendo de um fator fundamental — as condições materiais de vida. São as relações de produção entre os homens que determinam realmente a etapa social de cada povo.
Sobre o assunto seria necessário estender-me, mas prefiro sintetizar tudo em páginas esclarecedoras do maior continuador de Marx nos dias que vivemos. Refiro-me, naturalmente, a Stálin, sucessor de Lenin, que enriqueceu o marxismo na época nova da construção do socialismo na União Soviética.
Aludindo às condições materiais de vida, procurando explicá-las aos operários nos termos mais simples, diz Stálin:
"Resta somente responder a esta pergunta: Que se entende, do ponto de vista do materialismo histórico, por condições de vida material da sociedade", quais são as que determinam, em última instância, a fisionomia da sociedade, suas idéias, suas concepções, instituições políticas, etc..?
Quais são essas "condições de vida material da sociedade", quais são seus traços característicos ?
É indubitável, que, neste conceito de "condições de vida material da sociedade", entra, antes de tudo, a natureza que rodeia a sociedade, o meio geográfico, que é uma das condições necessárias e constantes da vida material da sociedade e que, naturalmente, influi no desenvolvimento desta. Qual é o papel do meio geográfico no desenvolvimento da sociedade ? Não será, por acaso, o meio geográfico o fator fundamental que determina a fisionomia da sociedade, o caráter do regime social dos homens, a transição de um regime para outro?
O materialismo histórico responde negativamente a essa pergunta.
O meio geográfico é, indiscutivelmente, uma das condições constantes e necessárias do desenvolvimento da sociedade e influi, indubitavelmente, nele, acelerando-o ou amortecendo-o. Mas essa influência não é determinante, uma vez que as translações e o desenvolvimento da sociedade se operam com uma rapidez incomparavelmente maior do que as que afetam o meio geográfico. No transcurso de três mil anos, a Europa viu desaparecer três regimes sociais: o do comunismo primitivo, o da escravidão e o do feudalismo, e na parte oriental da Europa na URSS, feneceram quatro. Pois bem, durante esse tempo, as condições geográficas da Europa não sofreram mudança alguma, ou se sofreram, foi tão leve que a geografia não julga que mereça sequer registrá-la. E compreende-se que seja assim. Para que o meio geográfico experimente modificações de certa importância, são precisos milhões de anos, enquanto em algumas centenas ou em um par de milhares de anos podem operar-se, inclusive, mudanças da maior importância no regime social.
Daí se depreende que o meio geográfico não pode ser causa fundamental, o fator determinante do desenvolvam social, pois, como é que o que permanece quase invariável através de dezenas de milhares de anos vai poder ser a causa fundamental a que obedeça o desenvolvimento daquilo que, no espaço de algumas centenas de anos, experimenta mudanças radicais?
Do mesmo modo, é indubitável que o crescimento da população, a maior ou menor densidade da população é um fator que também é parte do conceito das "condições da vida da sociedade", uma vez que entre essas condições materiais se conta, como elemento necessário, o homem, e não poderia existir a materialidade da vida social sem um determinado mínimo de seres humanos. Não será, acaso, o desenvolvimento da população o fator cardial que determina o caráter do social em que os homens vivem?
O materialismo histórico também responde negativamente a essa pergunta.
É indiscutível que o crescimento da população influi no desenvolvimento da sociedade, facilitando ou entorpecendo esse desenvolvimento, mas não pode ser o fator cardial a que obedece, nem sua influência pode ter um caráter determinante quanto ao desenvolvimento social, uma vez que o crescimento da população por si só não nos oferece a chave para explicar por que um dado regime social é substituído precisamente por um determinado regime novo e não por qualquer outro, por que o regime do comunismo primitivo foi substituído precisamente pelo regime da escravidão, o regime escravagista pelo regime feudal e este pelo burguês, e não por quaisquer outros.
Se o crescimento da população fosse o fator determinante do desenvolvimento social, a uma maior densidade de população teria de corresponder forçosamente, na prática, um proporcionalmente mais elevado regime social. Mas, na realidade, isso não se verifica. A densidade da população da China é quatro vezes maior do que a dos Estados Unidos e, apesar disso, os Estados Unidos ocupam um lugar mais elevado do que a China no que se refere ao desenvolvimento social, pois enquanto na China continua imperando o regime semi-feudal, os Estados Unidos há muito tempo chegaram à fase culminante do desenvolvimento do capitalismo. A densidade da população da Bélgica é dezenove vezes maior do que a da URSS e, entretanto, a América do Norte ultrapassa a Bélgica no tocante ao seu desenvolvimento social, e a URSS leva-lhe de vantagem toda uma época histórica, pois enquanto que na Bélgica impera o regime capitalista, a URSS já liquidou o capitalismo e instaurou o regime socialista.
Daí se depreende que o crescimento da população não é e nem pode ser o fator cardial do desenvolvimento da sociedade, o fator determinante do caráter social, da fisionomia da sociedade.
a) — Qual é, então, dentro do sistema das condições materiais de vida da sociedade, o fator cardial que determina a fisionomia daquela, o caráter do regime social, a passagem da sociedade de um regime social para outro?
Esse fator é, segundo o materialismo histórico, o modo de obtenção dos meios de vida necessários à existência do homem, o modo de produção dos bens materiais, do alimento, do vestuário, do calçado, da habitação, do combustível, dos instrumentos de produção, etc., necessários para que a sociedade possa viver e desenvolver-se.
Para viver, o homem necessita de alimentos, vestuário, calçados, habitação, combustível, etc.; para obter esses bens materiais, tem de produzi-los e, para poder produzi-los, necessita dispor de meios de produção, com ajuda dos quais se consegue o alimento, se fabrica o vestuário, o calçado, se constrói a habitação, se obtém o combustível, etc., necessita aprender a produzir estes instrumentos e a servir-se deles.
Instrumentos de produção, com a ajuda dos quais se produzem os bens materiais e homens que os manejam e efetuam a produção dos bens materiais, por terem uma certa experiência produtiva e hábitos de trabalho: tais são os elementos que, em conjunto, formam as forças produtivas da sociedade.
Porém as forças produtivas não são mais do que um dos aspectos da produção, um dos aspectos do modo de produção, o aspecto que reflete a relação entre o homem e os objetos e as forças da natureza empregadas para a produção dos bens materiais. O outro fator da produção, o outro aspecto do modo de produção, é constituído pelas relações de uns homens com outros, dentro do processo da produção, pelas relações de produção entre os homens.
Os homens não lutam com a natureza e não a utilizam Para a produção de bens materiais isoladamente, desligados uns dos outros, mas juntos, em grupos, em sociedades.
Por isso, a produção é sempre e sob quaisquer condições uma produção social. Ao efetuarem a produção dos bens materiais, os homens estabelecem entre si, dentro da produção tais ou quais relações mútuas, tais ou quais relações de produção. Essas relações podem ser relações de colaboração e ajuda mútua entre homens livres de toda a exploração, podem ser relações de domínio e subordinação ou podem ser, por último, relações de tipo transitório entre uma forma de produção e outra. Porém, qualquer que seja o seu caráter, as relações de produção constituem — sempre em todos os regimes — um elemento tão necessário da produção como as próprias forças produtivas da sociedade.
"Na produção — diz Marx — os homens não atuam somente sobre a natureza, mas atuam também uns sobre os outros. Não podem produzir sem associar-se de um certo modo para atuar em comum e estabelecer um intercâmbio de atividades. Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações, e, através destes vínculos e relações sociais, e só através deles é como se relacionam com a natureza e como se efetua a produção". (Karl Marx e F. Engels, Obras Completas, ed. cit., t. V, pág. 429. "Trabalho Assalariado e Capital").
Consequentemente, a produção, o modo de produção, não abarca somente as forças produtivas da sociedade, mas também as relações de produção entre os homens, relações que são, portanto, a forma em que toma corpo sua unidade dentro do processo da produção de bens materiais". (Stalin — "Materialismo Dialético e Materialismo Histórico").
Chegamos à conclusão — e é essa também a nossa experiência — de que devemos buscar as causas do nosso atraso na análise aprofundada das relações de produção em nossa pátria. É aí, sem dúvida, que descobriremos as causas do atraso nacional. Isso, para a burguesia nos dias de hoje é como o comunismo, é querer desmascarar a forma de exploração do trabalho humano. Mas a burguesia, quando revolucionária, tinha uma alta consciência da importância desse fator econômico. Jean Jaurés na sua monumental obra sobre a Revolução Francesa, revolução burguesa, refere-se a Barnave. Há um trabalho de Barnave escrito durante a grande revolução do século XVIII, na França, no qual como que antecede a Marx. Já naquela época explicava que o fator fundamental na análise do fenômeno social está justamente nas relações de produção.
Analisa a sociedade francesa daquela época e chega a conclusões que são quase marxistas sobre as verdadeiras causas da Revolução Francesa.
Citaremos fragmentos bastante extensos desta obra, que demonstra até que ponto tinha consciência do movimento econômico a burguesia revolucionária, cujo idealismo abstrato denuncia nesciamente Taine.
"Não poderíamos formar uma idéia da grande Revolução que acaba de agitar a França, considerando-a de uma maneira isolada, separando-a da história dos impérios que nos rodeiam e dos séculos que nos precederam. Para julgar a sua natureza e conhecer suas verdadeiras causas é necessário olhar mais longe, ver o lugar que ocupamos em um espaço mais extenso. É contemplando o movimento geral que, desde o feudalismo até os nossos dias, guia os governos europeus para que mudem sucessivamente de forma, que distinguiremos claramente o ponto a que chegamos e as causas gerais que a ele nos levaram. Não resta dúvida de que as revoluções dos governos, como todos os fenômenos naturais que dependem das paixões e da vontade do homem, não podem submeter-se àquelas leis fixas e calculadas que se aplicam aos movimentos da matéria inanimada; porém, entre esta multidão de causas cuja influência combinada produz os sucessos políticos, há algumas tão enlaçadas com a natureza das coisas, cuja ação constante e regular domina com tanta superioridade no influxo das causas acidentais, que em certo espaço de tempo chegam quase necessariamente a produzir ainda efeitos. Essas são quase sempre, as que mudam a face das nações e envolvem os pequenos acontecimentos em seus resultados gerais, preparam as grandes épocas da história, ao passo que as causas secundárias a que são quase sempre atribuídas não fazem mais do que determiná-las".
É justamente a convicção profunda que temos, de que depende da análise de suas causas a solução dos problemas nacionais, que nos levou a ela.
Procuramos investigar quais as relações de produção no Brasil. Sem dúvida, o Brasil, como a maior parte do mundo, nos dias de hoje, à exceção da União Soviética, vive em regime capitalista. É o sistema predominante na sociedade atual. Isto quer dizer que o regime é o de produção de mercadorias, de relação monetária, do trabalho assalariado, porque são essas características econômicas do capitalismo. Sem dúvida, vivemos no regime capitalista; no entanto, se aprofundarmos a análise das relações de produção em nossa pátria, vamos verificar que na sua parte mais importante, naquela que determina o fator fundamental da economia nacional, as relações deprodução não são tipicamente capitalistas. As relações de produção principalmente na nossa agricultura são tipicamente pré-capitalistas. São relações de regime anterior ao capitalismo. Os restos de regime escravagista ainda existem em nossa pátria, e a eles me referi no meu último discurso. Os restos do feudalismo também ainda estão vivos. Por isso, nós, comunistas, definimos de semi-feudal o regime social predominante principalmente no nosso campo.
Ora, se o Brasil, não é país industrial, se ainda é país agrário, é claro que a economia agrária é ainda a predominante em nossa pátria. São produtos de exportação, matérias primas e produtos agrícolas que determinam a economia nacional, no que tem de fundamental. Não é a indústria, não é essa indústria de tecidos que temos, indústria secundária, que possa ser o fator predominante de nossa economia.
O Brasil ainda é um país agrário. Além disso, a maior parte de nossa população, 70% dos brasileiros vivem ainda no campo. E em que condições? Vivem por acaso em regime capitalista, recebem salário em dinheiro, pelo que produzem? As trocas são, de fato, monetárias?
Nas grandes propriedades brasileiras, ainda não predomina o assalariado. Este predomina na economia agrária brasileira somente nas regiões açucareiras em Pernambuco ou em Campos. Já relativamente ao café, em S. Paulo, o regime é de meiação. É um regime em que o salário, é pago parte em dinheiro, parte pelo arrendamento da terra. Na verdade, o campônio brasileiro não é operário, não é um assalariado, nem ideológica e nem praticamente. É camponês, não recebe salário e é ele quem paga o arrendamento da terra com o seu trabalho ou com os produtos que retira da própria terra. Essas são as raízes feudais, a que nos referimos.
O regime social, predominante na maior parte da nossa economia é, realmente, ainda semi-feudal.
Nesse assunto, riquíssima é também a nossa própria experiência, adquirida no contacto íntimo com o sertão brasileiro, durante a marcha da Coluna, e, posteriormente, no estudo aprofundado, que vimos fazendo, das relações sociais no campo brasileiro.
No estudo da persistência dessas relações feudais, apesar da penetração do capitalismo no Brasil, dessa defesa de um regime pré-capitalista, dessas relações sociais anteriores às relações capitalistas, às relações de salário, às relações de trocas monetárias, devemos buscar as causas de nosso atraso. E vamos encontrar a explicação disso no monopólio da terra, na propriedade privada da terra e na concentração da propriedade.
A propriedade da terra em nossa pátria, está, concentrada nas mãos de uma minoria. Enquanto na França, para população idêntica à do Brasil, com extensão muitas vezes menor do que a do nosso território, existem para mais de cinco milhões de proprietários, o número de proprietários, em nosso país, segundo o recenseamento de 1940, é de um milhão e novecentos e tantos mil.
Esta, em verdade, é situação realmente catastrófica. Além disso, a maior parte dessas propriedades, as mais úteis, as mais próximas dos centros de consumo e das vias de comunicação, estão nas mãos de uma minoria que mal atinge a algumas centenas de milhares.
A esse respeito, vou ler algumas conclusões extraídas do recenseamento de 1940, que bem definem o caráter semi-colonial de nossa economia:
Estados | % do número de proprietários rurais sobre o número de habitantes ativos (10 anos e mais na agricultura e pecuária) |
% da área cultivada sobre a área das propriedades agrícolas |
---|---|---|
Acre | 14 |
0,16 |
Amazonas | 32 |
0,13 |
Pará | 31 |
0,65 |
Maranhão | - |
2,1 |
Piauí | 16 |
1,0 |
Ceará | 18 |
3,8 |
R. G. do Norte | 16 |
7,8 |
Paraíba | 16 |
9,5 |
Pernambuco | 18 |
14,9 |
Alagoas | 18 |
13,3 |
Sergipe | 26 |
11,9 |
Bahia | 21 |
4,2 |
Minas Gerais | 17 |
8,9 |
Espírito Santo | 20 |
17,1 |
Rio de Janeiro | 14 |
18,9 |
São Paulo | 16 |
20,6 |
Paraná | 21 |
9,9 |
Santa Catarina | 32 |
7,1 |
R. G. do Sul | 36 |
6,5 |
Goiás | 26 |
1,2 |
Mato Grosso | 12 |
0,4 |
8. – Uma vez comprovado que os sem terra no Brasil constituem imensa legião, vejamos, como se distribui a propriedade rural entre os que a possuem.
O Censo de 1940 revela os seguintes fatos bem expressivos:
a) Mais ou menos 18% dos proprietários possuem 2/3 da área total das propriedades rurais, ou em números absolutos: uns 340.000 proprietários, isto é apenas 3,7% de todos os que labutam na terra, ou seja, um pouco mais de 1% dos habitantes do campo, são donos de 2/3 da área total das propriedades agrícolas.
Isto significa que a terra no Brasil e de fato monopolizada por uma minoria afortunada.
b) Há no Brasil cerca de 1.000 propriedades com mais de 10.000 hectares e o que é mais espantoso, 60 propriedades com mais de 100.000 hectares. Isto faz com que apenas 60 proprietários sejam donos de 6.000.000 hectares ou seja, 3,2% da área total das propriedades rurais.
c) Em contraposição, certos Estados há em que grande parte dos pequenos proprietários possui parcelas ínfimas de terra, tornando a sua exploração absolutamente anti-econômica.
Assim, por exemplo, têm menos de 5 hectares: 81,5% de todas as propriedades do Maranhão; 54,3% das de Sergipe; 44% das de Alagoas; 41% das de Pernambuco; 28% das do Amazonas e do Pará; 23% das de Paraíba e 18% das do Estado do Rio e Rio Grande do Norte.
O camponês não está preso à terra que, no Brasil, é motivo de especulação. As fazendas avançam. É a célebre marcha para o Oeste, que vai deixando à retaguarda grandes extensões de terras abandonadas e impróprias para a cultura as quais exigirão novos recursos, novos trabalhos, adubos e lavra muito mais profunda, a fim de poderem ser reconquistadas para a agricultura.
d) analisando-se a distribuição das propriedades, segundo a escala de áreas, verificamos que a concentração da propriedade no Brasil é maior do que em qualquer outro país do mundo.
De todo o exposto, só cabe uma conclusão: sem uma redistribuição de propriedade latifundiária, ou em termos mais precisos, sem uma verdadeira reforma agrária, não é possível debelar grande parte dos males que nos afligem, entre os quais, merecem citação:
a) produção agrícola baixíssima, rotineira; pouco diversificada e de todo insuficiente para as necessidades de consumo das nossas populações;
b) condições precárias de existência no campo, no que concerne à alimentação, vestuário, habitação, saúde e educação.
c) fraca densidade demográfica (4,8 habitantes por Km2);
d) falta de mercado interno para as nossas ind ústrias;
e) Situação aflitiva de nossos transportes; em que se congregam de um lado, o estado deplorável dos equipamentos, obsoletos, gastos e super-trabalhados, e de outro a falta do que transportar.
A respeito de concentração da propriedade, poderemos citar diversos autores. Aguinaldo Costa, sobre Pernambuco, depois de aludir a um quadro da distribuição da terra, diz com a simplicidade dos números, que na Zona da Mata "o latifúndio e uma realidade palpável principalmente na região mais fértil, isto é, no litoral e mata, onde apenas 0,9% da população é proprietária".
Com alguns dados numéricos que trazemos a respeito de São Paulo, vemos que de 52% do número total das propriedades menores, somente 0,4% da área total estão na posse de pequenos proprietários, enquanto por outro lado, apenas 1/4% do número total de propriedades representam grandes fazendas de mais de mil hectares, possuindo em conjunto 20% da área total.
O mesmo se passa em Minas Gerais. Com exceção apenas da parte Colonial do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, é esse o quadro de todo o Brasil.
Os mesmos apontamentos de Aguinaldo Costa para uma reforma agrária a respeito da distribuição de terras em Minas Gerais, esclarecem o seguinte:
"92,7% da população não possuem qualquer propriedade sujeita ao imposto territorial".
Essa, a situação do Estado de Minas. O mesmo se dá também na vizinhança das grandes cidades, pois, não se diga que os latifúndios só existem em Mato Grosso, Goiás e Amazonas. Nos arredores de S. Paulo, por exemplo, num círculo de 60 Km., tomando-se ali como centro a Praça da Sé diz o agrônomo José Calil, ao estudar o assunto:
"A Região Agrícola da capital de São Paulo é constituída pela sua própria zona rural e mais dos seguintes municípios circunvizinhos: Cotia, Guarulhos, Itapecerica, Juqueri, Franco da Rocha, Santo André e São Bernardo. Essa região forma um grande circulo que partindo da praça da Sé atinge em seu raio máximo cerca de 60 quilômetros. Aí se desenvolve a atividade de mais de 20.000 pequenos produtores, atividade essa que se caracteriza pela sua extraordinária diversidade de culturas e sistemas de trabalho, de produção, de organização, de rendimento, de distribuição, etc..
O problema da terra e sua distribuição está na ordem do dia. Realmente, sua importância é transcendental, especialmente quando se trata de terras existentes nas proximidades de grandes centros consumidores.
Nos lugares que apontamos existe um total de 10.884 propriedades rurais, correspondendo a 106.896,07 alqueires paulistas. Predomina, pois, a grande propriedade. Apenas 1,5% possui mais da metade da área total (59,94%). E 43,40% de pequenos proprietários possuem apenas 15,61 das áreas.
Esse fato apresenta uma importância capital, sobretudo quando se considera que aquela área, subdividida em pequenas chácaras de 10 alqueires, representaria mais de 7 mil chácaras para o abastecimento da capital. Para melhor compreender-se a necessidade da instalação de pequenas propriedades nos arredores da capital basta dizer que apenas 13.500 alqueires estão sendo cultivados, o que representa, tão somente 12,62% da área total das propriedades existentes na região".
É essa a grande propriedade. É o latifúndio que determina o atraso da nossa agricultura. Sabeis o que é esse atraso;
É a agricultura da enxada, agricultura semelhante à do Egito dos Faraós da qual não podemos sair porque é impossível, é impraticável a aplicação da técnica agrícola enquanto existir essa massa de milhões de operários sem trabalho. Os agrônomos bem intencionados procuram a solução do problema na técnica, mas como aplica-la? Para que adquirir a maquinaria se o dono da terra pode fazer a colheita sem empregar um centavo do seu capital? E esse capital vai ser utilizado em outras atividades: no comércio, na especulação de compra e venda de terras, no açambarcamento de produtos, na grilagem. O capital é elevado para a usura para os barracões dentro do latifúndio, mas, jamais, para a técnica agrícola.
A verdade é que o latifúndio, as relações pré-capitalistas determinam, como conseqüência mais séria para a riqueza nacional, a destruição das riquezas naturais. As matas são destruídas sistematicamente. A falta de fixação do homem à terra pela pequena propriedade, a exploração, a agricultura ligada ao comércio de exportação, orientado pelos grandes bancos estrangeiros, determinam esse avanço sucessivo para o interior, trazendo o aniquilamento da riqueza nacional pela devastação das florestas, pela diminuição das próprias fontes e dos cursos d’águas, como foi muito bem apreciado e analisado por Alberto Torres, especialmente, numa frase de “As Fontes da Vida no Brasil".
"O problema do reflorestamento, o da restauração das fontes naturais e o da conservação e distribuição das águas, são, em nosso país, problemas fundamentais, extraordinários, mais importantes que o da viação comum, e muitíssimo mais do que o das estradas de ferro”.
Estamos inteiramente de acordo, porque reconhecemos que isso leva à destruição do nosso solo. Exportamos a riqueza nacional por ninharias, como acontece em referência ao café, ao algodão, etc., e — conforme, se tiver ocasião, ainda hoje, hei de demonstrar, — sem a compensação devida, sem a troca de produtos que venham enriquecer a economia brasileira.
O latifúndio, essas relações semi-feudais no campo, essa disseminação do homem nas grandes propriedades constituem a causa fundamental dos déficits de nossas estradas de ferro — doença crônica, doença que não é determinada pela incapacidade dos seus dirigentes, engenheiros cultos, administradores capazes e homens honestos, os quais, no entanto, não conseguem livrar-se dos déficits permanentes, dos déficits eternos.
Tocou em um ponto sensível o engenheiro José Batista Pereira quando no VI Congresso Nacional de Estradas de Rodagem, teve ocasião de dizer:
"Temos também estudado com algum detalhe problema econômico das nossas estradas de ferro especialmente da rede rio-grandense (do Sul), e chegamos à convicção de que o seu maior mal é a desproporção entre o tráfego e a extensão da rede, em outras palavras, a baixa renda quilométrica de linha".
O problema crônico dos déficits de nossas estradas deferro é conseqüência de falta de proporções entre sua extensão e o valor da produção transportada. A culpa principal corresponde aqui ao latifúndio. As estradas de ferro atravessam milhares de quilômetros de terras inaproveitadas, avaramente conservadas pelos proprietários na expectativa de bons negócios futuros. Como conseqüência a marcha para o interior, cada vez a maiores distâncias dos centros consumidores, de todos aqueles que buscam um pedaço de terra para trabalhar. O problema brasileiro não é de marchar para o Oeste, mas de utilização econômica de todas as terras que já são servidas por estradas de ferro. Só assim estas terão um transporte quilométrico capaz de econômica utilização da via permanente.
Depois dessa análise que tive de fazer, a traços breves e de maneira tão rápida, chego à conclusão que está no latifúndio, que é a má distribuição da propriedade territorial, o monopólio da terra — a causa do atraso, da miséria e da ignorância de nosso povo.
Nos dias de hoje, as reformas agrárias na Europa, principalmente no oriente europeu, têm sido incrementadas; e quero ler uma noticia sobre a experiência que está sendo posta em prática na Alemanha, na Prússia Oriental. O jornalista norte-americano Norman Mc Donald, que esteve lá, em contacto com os camponeses, naquela zona justamente dos latifúndios dos junkers, dos generais da Wermarcht, disse:
"Dentro dessa propriedade havia uma aldeia, onde viviam uns 450 trabalhadores. Ajuntamento típico, coisa que há no norte germânico, com casas de tijolos, baixas e cercadas de olmos muito altos. O prefeito do lugar, camponês rude e fichado como comunista desde 1923, explicou ao jornalista como fizera a divisão dessas terras confiscadas. Primeiro, nomeou um "comitê" incumbido de registrar os nomes de todos que quisessem o seu quinhão. Raríssimos foram os que não quiseram. Operou-se, então, o levantamento do latifúndio e estabeleceu-se a seguir um plano. Este consistia em dividir-se o total em lotes de 50 a 62 hectares, conforme a qualidade da área. Cada lote recebeu um número e o mapa foi exibido ao público durante três dias. Depois, convocou-se uma reunião geral discutiu-se o serviço e processaram-se os ajustamentos de acordo com as sugestões dos camponeses presentes. Tudo aprovado não só pelos interessados, como pelas autoridades, chegou o dia da festa. A população aglomerou-se na Casa Grande, ouvindo-se discursos. Tocou uma banda de música. Imposto o silêncio, cada camponês tirou um papelzinho de dentro de um chapéu transformado em urna, papelzinho que indicava um número, correspondendo a um lote, gravado no mapa”.
Essa a divisão que o nosso camponês também deseja, divisão indispensável, na verdade, para que possamos dar um passo para adiante no caminho do progresso. A verdade é que a situação das massas camponesas é insuportável, de maneira que o problema será resolvido de qualquer forma.
Cabe a nós encontrar solução legal, constitucional, armar constitucionalmente o Governo para que, de fato, fique em condições de resolver o problema sem maiores dificuldades. E foi isto, justamente, o que não encontramos no projeto de Constituição. Julgamos imprescindível a providência, para, evitar o caos, a guerra civil, porque o progresso do país não pode ser barrado por uma classe dominante, senhora da terra, proprietária das maiores extensões do nosso solo, e que não admite essa divisão, indispensável aos próprios grandes proprietários, os quais já sentem as conseqüências dessa miséria, desse atraso e dessa ignorância.
É o monopólio da terra que gera as oligarquias estaduais e municipais, que anula na prática a democracia e a própria autonomia municipal. Vivemos os do povo sob o predomínio dos coronéis, chefes e chefetes, senhores de baraço e de cutelo.
A solução pacífica, legal, constitucional é possível. E quando a afirmamos, repetimos palavras de Lenin.
A muitos parece que os comunistas, os marxistas têm mania da violência. É o contrário. Ninguém mais do que nós sabemos e conhecemos as conseqüências da violência para os trabalhadores, para as grandes massas populares. São os trabalhadores, são os homens do povo que vão morrer nas barricadas ou sofrer no fundo dos cárceres. Não são nem os generais golpistas, nem os políticos demagogos: é o povo.
Não somos, portanto, pela violência, A violência aparece como conseqüência da violência da classe dominante. E ao que estamos assistindo ainda nos dias de hoje, porque enquanto o Partido Comunista procura lutar pela solução pacífica dos problemas nacionais — e continua a lutar por essa solução, estendendo a mãoaos governantes e a todos os partidos políticos para que se unam na busca dessa solução pacífica — a resposta que recebemos são os fuzilamentos em praça pública, são as brutalidades nos cárceres policiais. A violência não é indispensável para nós e sempre que é possível encontrar solução pacífica, lutamos por ela.
Apesar de todos os erros que já tenhamos podido cometer, nosso prestígio é ainda dos maiores e se soubermos continuar lutando em defesa da democracia e da soberania desta Assembléia nenhuma força poderá vencê-la nem será mesmo capaz de ameaçá-la.
Mas utilizemos este posto, e cônscios de nossas responsabilidades perante a Nação, promulguemos a Constituição democrática que reclama a nova era em que vivemos. Constituição capaz de liquidar todos os privilégios, de assegurar os Direitos sagrados do Homem e de impedir a volta de Ditaduras retrógradas e obscurantistas. E que a nossa Lei Magna assegure aos governos progressistas que hão de vir a possibilidade de resolver pacificamente, dentro da Lei, quer dizer constitucionalmente, os problemas fundamentais de nossa economia — a liquidação do latifúndio, pela Reforma Agrária, e a emancipação econômica de nosso povo do Capital imperialista, pela nacionalização, passagem ao poder do Estado, dos Bancos e grandes empresas exploradoras imperialistas.
É o que espera de nós, de nossa inteligência, previsão, coragem e patriotismo não só o povo brasileiro, como todos os povos da América e toda a Humanidade progressista que venceu o fascismo e marcha a passos cada vez maiores para um futuro radioso de bem-estar e de cultura, afinal livre da exploração do homem pelo homem.
Notas de Rodapé:
(1*) De “O Problema da terra e a Constituição de 1946" — discurso pronunciado na Assembléia Nacional Constituinte em 17 de junho de 1946. (retornar ao texto)
Inclusão | 27/04/2007 |