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Vejamos a situação da Alemanha após 1815, terminadas as guerras napoleônicas, guerras em que tomaram parte, além da Inglaterra, alma da coalizão, a Rússia, aliada dos alemães e dos austríacos. No Congresso de Viena, que decidiu a sorte da Europa, Alexandre I desempenhou o papel principal. A paz de Viena não foi melhor para a Europa do que foi a de Versalhes, no final da última guerra imperialista. Por ela, a França foi despojada de todas suas conquistas territoriais do período revolucionário. As colônias francesas foram entregues à Inglaterra. Alemanha, que esperava sua unidade por meio desta guerra de libertação, se cindiu definitivamente em duas partes: Alemanha do Norte e Áustria.
Imediatamente após 1815 surgiu entre os intelectuais e estudantes da Alemanha um movimento que tencionava essencialmente a restaurar a unidade do país. O inimigo principal então era a Rússia, que, em seguida ao Congresso de Viena, constituiu com Alemanha e Áustria a Santa Aliança, destinada sobretudo a sufocar as aspirações revolucionárias. Alexandre I e o imperador da Áustria foram os fundadores oficiais desta instituição; na realidade seu criador foi Metternich, diretor da política austríaca. Mas como se considerava que a Rússia era o principal foco da reação, o movimento ilegal dos intelectuais e estudantes alemães, cujo propósito era propagar a cultura e a instrução entre o povo para prepará-lo no sentido da unificação do país, teve desde o princípio uma orientação antirrussa. Foram fundadas numerosas sociedades com este caráter, entre as quais de destacaram especialmente os círculos universitários de Jean, de Hesse, etc.
Em 1819, um estudante, Karl Sand, matou o escritor alemão August von Kotzebue, considerado, não sem razão, como um espião russo. Este ato terrorista, que produziu uma grande impressão na Rússia, onde Sand se tornou uma figura exemplar para a maior parte dos futuros dezembristas, proporcionou a Metternich e aos governos alemães o pretexto para exercer a repressão contra os intelectuais, porém as sociedades de estudantes, longe de desaparecer, se fortaleceram e pouco a pouco constituíram as organizações revolucionárias.
Nosso movimento dezembrista, que levou a cabo uma tentativa infrutífera de insurreição armada em 14 de dezembro de 1825, não é um movimento isolado de intelectuais russos, mas se desenvolveu sob a influência do movimento revolucionário dos intelectuais da Polônia, Áustria, França e Espanha. Corresponde a uma corrente literária especial, cujo representante mais importante e mais típico foi, de 1818 a 1830, o jornalista alemão Ludwig Borne, de origem judaica, que teve igualmente uma grande influência sobre o desenvolvimento do pensamento político alemão. Verdadeiro democrata político, se interessou pouco pela questão propriamente social, convencido de que se poderia reparar tudo e melhorar tudo concedendo ao povo a mais completa liberdade política.
A Revolução de Julho de 1830 teve uma repercussão considerável em toda a Europa e, particularmente em algumas regiões da Alemanha, foi a origem de convulsões e insurreições, mas como o movimento carecia de raízes profundas entre as massas, bastaram algumas concessões para que o governo triunfasse. A derrota da insurreição polonesa de 1831, consequência direta da Revolução de Julho, obrigou a muitos revolucionários poloneses buscar refúgio na Alemanha, a fim de escapar das perseguições do governo czarista. Este fato aumentou o ódio dos intelectuais alemães contra a Rússia e, de igual modo, a simpatia pela Polônia escravizada.
A Revolução de Julho e a insurreição polonesa provocaram uma série de movimentos revolucionários, nos quais nos é conveniente dar mais atenção. Recordemos os fatos que de uma ou outra maneira puderam influir sobre Marx e Engels. Em 1832, o movimento revolucionário da parte sul da Alemanha está concentrado no Palatinado, região que como a Renânia esteve por longo tempo nas mãos da França, sendo restituída à Alemanha somente em 1815. A Renânia passou então ao poder da Prússia e o Palatinado foi incorporado à Baviera, onde a reação não era menos violenta do que na Prússia. Habituados a uma relativa liberdade sob o regime francês, os habitantes da Renânia e do Palatinado deviam naturalmente opor resistência ao regime ao qual agora estavam sujeitos. Cada empurrão do movimento revolucionário francês fortificava suas tentativas de luta de oposição. Em 1831, este movimento se difunde amplamente entre os intelectuais liberais no Palatinado. Os advogados Wirth e Siebenpfeifer organizam em Hambach, em 1832, uma grande festa, na qual uma série de oradores, entre eles Borne, proclamaram a necessidade de uma Alemanha livre e unificada. Entre eles se encontrava um jovem operário, Johann Philipp Becker, de 23 anos, cujo nome encontramos na história do movimento revolucionário europeu. Becker, que manteve relações estreitas com várias gerações de revolucionários russos, de Bakunin até Plekhanov, demonstrava aos intelectuais que não deviam limitar-se à agitação, que era preciso preparar a insurreição armada. Revolucionário de grande capacidade, chegou a se tornar escritor, mas nunca um teórico eminente; representou ante tudo o tipo de revolucionário pragmático. Depois da reunião de Hambach permaneceu alguns anos na Alemanha ocupado nos trabalhos de agitação e propaganda e organizando a fuga de alguns prisioneiros revolucionários. Em 1833, estando ele mesmo na prisão, seu grupo efetuou um ataque armado contra a guarnição de Frankfurt, cidade na qual se reunia naquele momento a dieta da Confederação Germânica. Os estudantes e operários filiados a este grupo estavam persuadidos de que uma insurreição vitoriosa nessa cidade causaria forte impressão na Alemanha, porém fracassaram. Karl Schapper, que então trabalhava na Alemanha, participou energicamente na insurreição; depois da derrota se refugiou na França. Todo o movimento revolucionário se concentrou precisamente nas regiões que durante muito tempo havia ficado sob a dominação francesa.
Um movimento revolucionário se produziu também no principado de Hesse, encabeçado pelo pastor Weidig, partidário convicto da liberdade política e da unificação da Alemanha. Weidig organizou uma imprensa clandestina, onde imprimia seus discursos e fazia esforços para agrupar os intelectuais ao seu redor. Entre esses últimos, um dos que mais ativamente participaram no movimento foi Georg Büchner, autor do drama A Morte de Danton. Persuadido da necessidade de conquistar as simpatias da massa rural, fundou para os camponeses de Hesse um jornal especial de propaganda, que foi o primeiro ensaio deste gênero. O jornal que era impresso na gráfica clandestina de Weidig, teve uma existência efêmera: deixou de ser publicado em 1835. Seus organizadores foram presos, e Büchner, que pode fugir das perseguições, se refugiou na Suíça, onde morreu pouco tempo depois. Enquanto Weidig (parente próximo de Wilhelm Liebknecht, quem, ainda criança, certamente deve ter ficado profundamente impressionado por tais acontecimentos), foi encarcerado e submetido a castigos corporais.
Uma parte dos revolucionários que Becker ajudou a fugirem, entre eles Karl Schapper, que se evadiu antes da insurreição de Frankfurt, junto a Theodore Schuster, estabeleceram-se em Paris, onde fundaram uma sociedade secreta: A Liga dos Proscritos. Sob a influência de Schuster e dos operários alemães que estavam em Paris, a corrente socialista se esforçou notavelmente dentro da sociedade e finalmente gerou uma cisão. Uma parte dos seus membros, dirigidos por Schuster, funda a Liga dos Justos, que subsistiu por três anos, cujos aderentes participaram da insurreição de Blanqui e, como os blanquistas, foram encarcerados. Ao recobrar a liberdade, Schapper e seus camaradas se dirigiram a Londres, onde criaram uma sociedade de educação operária que se transformou logo em seguida em sociedade comunista.
Nesta época, os intelectuais alemães sofriam, além da de Borne, a influência de diversos escritores, entre os quais o mais eminente era Heinrich Heine, poeta e publicista. Suas correspondências de Paris, o mesmo que as de Borne, influíram na formação da juventude alemã.
Nativos, Heine e Borne, um do Palatinado e o outro da Renânia, ambos eram judeus. Marx também era originário da Renânia e judeu. Em que medida a origem judaica influiu em seu desenvolvimento?
Na história do socialismo alemão quatro judeus, Marx, Lassalle, Heine e Borne desempenharam um papel muito importante. Poderia citar outros, porém falo aqui os mais importantes. É incontestável que a origem judaica de Marx e de Heine exerceu certa influência na direção do seu desenvolvimento político. Os estudantes se levantavam contra a opressão política e social que reinava na Alemanha, porém os intelectuais judeus sentiam mais fortemente seu jugo. Basta ler os artigos em que Borne descreve as humilhações da censura e fustiga aos filisteus da Alemanha daquele tempo para compreender que qualquer um, por pouco esclarecido que fosse, deveria protestar fortemente contra estas condições de vida, particularmente insuportáveis para os judeus. Borne passou toda sua juventude no bairro judeu de Frankfurt e o regime medieval que ali ainda se mantinha o marcou, como havia feito a Heine, profundamente.
Marx não estava em iguais condições; daí alguns dos seus biógrafos tenham negado quase inteiramente a influência do meio judeu sobre ele.
Seu pai, Heinrich Marx, advogado de profissão, homem culto e livre de preconceitos religiosos, era grande admirador da literatura filosófica do século XVIII e induziu a seu filho ler as obras de escritores como Locke, Voltaire e Diderot. Locke, um dos ideólogos da segunda revolução inglesa, era na filosofia, adversário do inato; sustentava que o homem não possui ideias inatas; que toda ideia, que todo pensamento, é produto da experiência e da educação. Os materialistas franceses seguiam seu caminho e demonstravam que nada existe na inteligência do homem que não seja antes de tudo, sensação, que não passe pelos sentidos. Da mesma forma, não reconheciam a existência de nenhuma ideia inata.
Apesar do pai de Marx não praticar nenhuma religião, em 1824 adotou o cristianismo. Em sua biografia de Marx, Mehring procura demonstrar que esse ato de Heinrich Marx foi uma tentativa de entrada na alta sociedade cristã. Há nisso uma parte de verdade, porém Heinrich Marx realizou sua conversão, sobretudo, para escapar as novas humilhações as quais os judeus estavam expostos desde a incorporação da Renânia à Prússia. Mesmo Marx, ainda que não estivera espiritualmente ligado a tal meio, se interessou muito em sua juventude pela questão judaica e manteve relações com a comunidade judaica de Tréveris. Neste tempo os judeus elaboravam frequentes petições para solicitar a revogação de diversas medidas vexatórias. A pedido dos seus parentes próximos e da comunidade de Tréveris, Marx, então com 24 anos, escreveu uma dessas petições.
Assim, pois, de nenhum modo desdenhava Marx a seus antigos correligionários; lhe interessava a questão judaica e participava da luta por sua emancipação. Isto não o impedia fazer uma clara distinção entre os judeus pobres e os endinheirados, ainda que, verdade seja dita, havia poucos judeus ricos na região onde Marx vivia: a aristocracia judaica estava concentrada em Hamburgo e em Frankfurt.
Tréveris, local de nascimento de Marx e onde muitos dos seus antepassados foram rabinos, se encontra na Renânia, província de uma intensa vida industrial e política. Hoje, é uma das regiões mais industrializadas da Alemanha. Nela estão contidas as cidades Solingen e Remscheid, conhecidas por seus artigos de aço, assim como Bremen e Elberfeld, centros da indústria têxtil. Tréveris, onde Marx vivia, era uma cidade medieval que havia, no século X, desempenhado um papel considerável e sido, ao lado de Roma, um dos centros do cristianismo. Era igualmente industrial e durante a Revolução Francesa foi palco de um forte movimento revolucionário. Possuía curtumes e fábricas de tecidos, porém a indústria manufatureira estava escassamente desenvolvida em comparação com o norte da Renânia, onde se encontravam os centros metalúrgicos e da indústria algodoeira. Situada em uma região vinícola, com sobrevivências da antiga comunidade rural, e sendo seus camponeses pequenos proprietários, vinicultores amantes da alegria e do bom vinho. Tréveris conservou até certo ponto os costumes de uma cidade medieval. Interessado então pela situação dos camponeses, Marx realizava excursões nas cidades dos arredores e documentava prolixamente sobre sua vida. Os artigos que publicou alguns anos mais tarde demonstram um conhecimento perfeito dos detalhes da vida rural, do regime da propriedade da terra e dos procedimentos de cultivo dos campesinos do vale do Mosela.
No colégio, como particularmente comprova um atestado de um dos seus professores em um dos seus trabalhos, Marx era um dos mais brilhantes alunos. Por encargo do seu professor, escreveu um texto sobre a escolha da profissão pelos jovens, no qual demonstra que não podem escolhê-la livremente, porque as condições de nascimento do homem predeterminam sua profissão, assim como, em sentido geral, sua concepção de mundo. Aqui se pode ver o embrião da concepção materialista da história. Porém há que o considerar unicamente como a prova de que Marx, já em sua juventude e sob a influência do pai, estava imbuído das ideias do materialismo francês, mas que somente que estas ideias eram expostas de uma forma especial.
Aos 16 anos de idade, Marx saiu do colégio e em 1836 ingressou na universidade, em uma época em que as revoltas revolucionárias haviam cessado e reinava uma relativa calmaria na vida universitária.
Para ser melhor compreendido, farei referência ao movimento revolucionário russo. O empurrão revolucionário da oitava década persiste até 1883-1884, cujo momento se vê com toda clareza quando a antiga Narodnaia Volia foi aplastada. Os anos de 1886-1889, especialmente depois do atentado do 19 de março contra Alexandre III, são, nas universidades, anos de intensa reação, nos quais o movimento revolucionário se interrompe completamente. As pessoas com a minha idade — aquelas que, claro, não perderam o sentimento revolucionário — passaram a se ocupar do trabalho científico de forma temporária, dedicadas exclusivamente ao estudo das causas da derrota do movimento revolucionário.
Um período semelhante transcorreu na Alemanha quando Marx entrou na universidade. Nela se dedica a estudos conscienciosos. Possuímos sobre essa época de sua vida um documento interessante: uma carta na qual fala a seu pai como se faz a um amigo íntimo, na qual expõe sem rodeios seus ideais. Heinrich Marx apreciou e compreendeu muito bem a seu filho, sendo suficiente ler sua resposta para ajuizar sua elevada cultura.
No espírito do seu tempo, Marx buscava as concepções e as doutrinas que lhe permitissem fundamentar teoricamente o ódio que já nutria contra o regime político e social dominante. Mais tarde, estudarei essa questão em detalhe; direi, entretanto, que, em sua busca, Marx adota a filosofia hegeliana sob a forma que lhe deram os "jovens hegelianos", que haviam rompido radicalmente com todos os preconceitos e tirado desta as deduções mais radicais no aspecto político e nas relações civis e religiosas. Em 1841, Marx finalizou seus estudos universitários e obteve o diploma de doutor em filosofia, precisamente na época em que Engels ficou sob a influência dos jovens hegelianos.
Engels nasceu em Barmen, cidade situada ao norte da Renânia, o centro da indústria do algodão e da lã, próxima de Essen, que mais tarde chegaria a ser o centro da indústria metalúrgica. Engels era de origem alemã e pertencia a uma família abastada. Se examinarmos os antecedentes da família Engels, vemos que ocupa um lugar honrável entre as famílias de comerciantes e industrias da Renânia. Até tinha o seu brasão. E como se fosse para acentuar o desenvolvimento pacífico da vida de Engels, suas tendências pacifistas, esse brasão era ornamentado por um anjo com um ramo de oliveira, escudo com o qual Engels entra na vida. Provavelmente seus antepassados escolheram este brasão porque Engels significa "anjo" em alemão. A família de Engels remonta ao século XVI, o que quer dizer que é uma família arraigada. No que concerne à família de Marx, ninguém se ocupou em estabelecer seus antecedentes e é até difícil saber sobre seu avô com exatidão. Se sabe somente que Marx provinha de uma família de rabinos. Sobre a origem da de Engels existem duas versões. Segundo certos dados, Engels seria descendente distante do francês Ange, huguenote refugiado na Alemanha. Porém seus parentes atuais negam tal antecedente e procuram provar sua origem puramente alemã. De qualquer forma, no século XVII a família Engels já era uma antiga família fabricante de tecido, cujos descendentes se fizeram produtores de tecidos de algodão, pessoas endinheiradas e com fortes tendências internacionais. Com seu amigo Ermen, o pai de Engels fundou uma fábrica de tecidos em sua pátria e outra em Manchester, transformando-se em um burguês anglo-alemão. Professava a religião protestante e pertencia à confissão evangélica. Remonta evidentemente aos antigos calvinistas que uniam uma fé profunda à convicção não menos profunda em ganhar dinheiro e acumular capital para a produção e para o comércio. Em sua vida privada era um homem religioso, fanático, que emprega todas as horas ociosas em reflexões piedosas. De tal modo, se estabeleceram entre Engels e seu pai relações diametralmente opostas as de Marx e o seu progenitor. Logo cedo as ideias de Engels provocaram conflito com seu pai. Com a intenção de fazer do seu filho um comerciante, o educou em tal sentido; aos 17 anos o enviou a Barmen, uma das cidades de maior comércio na Alemanha, onde o jovem Engels ficou três anos empregado em um escritório comercial. As cartas aos seus amigos do colégio mostram com se esforçou para eliminar a influência de tal meio. Religioso ao chegar a Barmen, logo fica sob a influência de Borne e Heine. Começou a escrever aos 19 anos, e com seus primeiros trabalhos se colocou entre os livres pensadores democratas da Alemanha. Seus primeiros artigos, assinados com o pseudônimo "Oswald", com os quais atraem a atenção pública, atacam o meio social no qual passou sua infância. Suas cartas de Wupperthal (o nome do vale de Wupper no qual estão situadas as cidades de Bremen e Elberfeld) causaram forte impressão. Se notava que o autor havia sido educado nessa região e que conhecia a todos seus homens mais notáveis. Em Barmen, Engels se despiu de todos os preconceitos religiosos e chegou a ser uma espécie de jacobino francês tardio.
Até 1841, quando tinha por volta de 20 anos, Engels, na qualidade de filho de rico industrial, entrou como voluntário na artilharia da guarda de Berlim. Ali é onde se vincula com o círculo dos jovens hegelianos que Marx também frequentava. Com eles participa da luta contra os velhos preconceitos e da mesma forma que Marx adere a tendência mais radical da filosofia hegeliana. Porém enquanto Marx fica, por assim dizer, em seu gabinete de trabalho e se prepara para a carreira universitária, Engels, que começou a escrever em 1839, em 1842, já ocupa, sob seu pseudônimo, um lugar destacado no jornalismo e participa ativamente na luta ideológica que se desenvolve entre os adeptos dos velhos e dos novos sistemas filosóficos.
Quero chamar atenção particularmente sobre os anos 1841 e 1842, que são os anos em que vários russos de Moscou viviam na Alemanha. Estão ali, entre outros, Bakunin, Ogarev e Frolov, que estavam mais ou menos em condições parecidas de entusiasmo de Marx e Engels por esta mesma filosofia. Isso pode ser visto pelo seguinte episódio: em 1842, Engels escreveu uma violenta crítica da filosofia do adversário de Hegel, Schelling, que havia sido convidado pelo governo da Prússia a mudar-se para Berlim e assim opor sua filosofia a de Hegel, na qual se esforçava para conciliar o Evangelho com a ciência. As opiniões que Engels tinha então se assemelhavam as expostas por Bielinksy e Bakunin em seus artigos desta época, cujo folheto que critica a Filosofia da Revelação de Schelling era atribuído a Bakunin até então. Agora sabemos que não foi escrito por ele, porém a argumentação, as expressões, as provas empregadas para demonstrar a superioridade da teoria hegeliana, se parecem tanto as de Bakunin que não é surpreendente que inúmeros russos tenham considerado como se fosse sua.
Em 1842, Engels tinha 22 anos, com a sorte de desde cedo ser um escritor democrático, radical, completamente formado. Como ele mesmo disse, descrevendo-se em um poema furtivo, era um ardente jacobino, e sob este aspecto recordam fortemente a alguns alemães que se somaram a Revolução Francesa. Segundo suas próprias palavras, a Marseillaise está constantemente em seus lábios e reivindica, por último, a guilhotina. Tal era Engels em 1842. Marx havia alcançado mais ou menos o mesmo grau de desenvolvimento intelectual. Nesta mesma data se descobrem trabalhando com um mesmo propósito.
Finalizados seus estudos universitários e doutorado em abril de 1842, Marx se propôs, desde o primeiro instante, a ocupar-se da filosofia e da ciência, porém renunciou a este propósito quando seu professor e amigo, Bruno Bauer, que era um dos líderes dos jovens hegelianos e criticava violentamente a teologia oficial, foi privado do direito de ensinar na universidade. Justamente em tal ocasião, Marx foi convidado a colaborar em uma nova publicação. Os representantes da burguesia comercial e industrial mais radical da Renânia, Kamphausen e outros, resolveram fundar seu órgão político. O jornal mais influente da Renânia era o Koelnische Zeitung — e Koln era então o maior centro industrial da região — publicação que adulava o governo. A burguesia radical queria opor a isto seu próprio órgão, a fim de defender seus interesses econômicos frente ao feudalismo. Além de Kamphausen, o construtor de ferrovias Mevisson desempenhava um papel considerável na região. Ambos dispunham de dinheiro, porém faltava-lhes colaboradores. Acontecia o que se produziu mais tarde na Rússia: um bom número de jornais criados por capitalistas caíram nas mãos de um grupo determinado de literatos. Assim ocorreu antes e depois de 1905 e igualmente durante a guerra; industriais independentes forneciam fundos a um grupo de escritores. Assim, na Renânia, alguns jovens filósofos e literatos tomaram a direção do jornal fundado pelos industriais. Destes escritores, foi Moses Hess, mais velho que Marx e Engels, que desempenhou o papel principal. Era, como Marx, judeu, porém desde cedo havia se distanciado do seu pai, homem bastante rico. Com a adesão ao movimento libertador na sequência de 1830, começou a demonstrar a necessidade da união nas nações mais avançadas para assegurar a conquista da liberdade política e cultural. Já em 1842, antes de Marx e Engels, Hesse, sob a influência do movimento comunista francês, tornou-se comunista. Com alguns dos seus camaradas foi o redator mais eminente da Gazeta Renana.
Marx vivia então em Bonn, e durante longo tempo não foi senão um colaborador que enviava periodicamente seus artigos. Somente pouco a pouco conquistou o primeiro posto do jornal, dirigido por Hess, com seus dois camaradas Oppenheim e Rutenberg (este último era amigo de Marx, recomendado à redação). Assim, pois, ainda que a Gazeta Renana fora editada às costas da burguesia industrial da região, era, ao mesmo tempo, o órgão do grupo mais radical dos escritores de Berlim, a qual pertenciam Marx e Engels.
No outono de 1842, Marx fixou residência em Koln e imediatamente deu ao jornal uma nova orientação. Contrariamente a seus amigos de Berlim e a Engels, insistia Marx em travar uma luta mais radical, porém não sob uma forma demasiadamente barulhenta, contra as condições políticas e sociais existentes. Assim se manifesta a influência das condições distintas em que se formaram Marx e Engels, e em particular o fato de que Marx não havia conhecido a opressão religiosa, jugo intelectual ao qual em sua juventude Engels esteve submetido. Por isso Marx se apaixonava menos por uma luta religiosa e não considerava necessário dedicar todas as forças a uma crítica violenta antirreligiosa. Preferia uma polêmica aprofundada a uma demasiadamente ampla, o que considerava necessário para conservar o jornal e dispor assim deste órgão. Engels — e isto é uma característica de toda sua produção juvenil — estava mais próximo do grupo que queria uma luta aberta mais vigorosa contra a religião. Esta diferença entre Marx e Engels, diga-se de passagem, lembra a que existiu nos fins de 1917 e início de 1918 em nosso meio, quando alguns camaradas reclamavam a luta imediata contra a igreja. Outros, pelo contrário, estimavam que isto não era o mais urgente e que tínhamos tarefas de maior importância. Parecidas divergências existiam entre Marx e Engels e outros jovens publicistas, seus companheiros. Esta polêmica é expressada nas cartas que Marx escreveu como redator a seus velhos camaradas de Berlim.
Os biógrafos de Marx concordam que seu primeiro encontro com Engels na redação da Gazeta Renana foi bastante frio. Engels, que havia sido um dos correspondentes em Berlim, esteve em Koln antes de sua partida para a Inglaterra. É possível que então tivera uma explicação de Marx, que defendia sua tática e havia abordado claramente a questão dos trabalhadores. Criticava durante as leis que proibiam o aproveitamento comunal da lenha e advogavam o direito de retirá-la dos bosques, demonstrando que tais leis eram obras dos proprietários do solo que empregavam todo seu poder na exploração dos pequenos camponeses e para elaborar decretos que os transformavam em criminosos. Publicou na Gazeta Renana vários artigos sobre a situação, por ele bem conhecida, dos camponeses do Mosela, que suscitaram uma encalorada polêmica entre ele e o prefeito da Renânia.
As autoridades locais pressionaram então por meio de Berlim e o jornal foi submetido a uma dupla censura. Como Marx era a alma da redação, foi exigido que ele fosse deposto do cargo. O novo censor admirava grandemente a este brilhante e inteligente publicista que iludira habilmente a censura, porém seguiu a denúncia, e agora não só a redação, mas também ao grupo de acionistas que sustentavam o jornal foram afetados. Estes últimos começaram a inquietar-se e pediram a Marx que fosse mais prudente, para evitar questões desagradáveis. Marx se negou a cumprir tal pedido. Provou que toda tentativa de moderação não conduziria a lugar algum, que o governo não reduzirá sua agressividade. Por fim, entregou sua demissão como redator e abandonou o jornal, mas este fato não foi capaz de salvar a publicação, que logo após foi definitivamente aplastada.
Marx saiu do jornal completamente modificado. Quando ingressou era um democrata liberal; ainda que um democrata que se interessava pelos assuntos econômicos fundamentais ligados a situação social e econômica dos camponeses. Agora, Marx, que até então se dedicara exclusivamente à filosofia e à jurisprudência, passava a se ocupar cada vez mais em um maior grau dos problemas econômicos e de diversas questões concretas.
Marx sustentou naquele tempo uma polêmica com um jornal conservador a propósito de um artigo de Hess, que foi quem, em 1842, converteu Engels ao comunismo. Respondeu, em resumo, a este jornal:
"Vocês não têm direito de atacar o comunismo. Não conheço o comunismo, porém uma vez que o comunismo tenha assumido a defesa dos oprimidos, não pode ser combatido com tanta rapidez. Antes de condená-lo é preciso ter conhecimento completo e exato desta corrente".
Quando abandonou a Gazeta Renana, Marx não ainda comunista, mas um homem a quem interessava o comunismo como tendência, como filosofia concreta. Com seu amigo, Arnold Ruge, chegou à conclusão de que seria absolutamente impossível realizar na Alemanha a propaganda política e social que lhes interessava, e resolveu mudar-se para Paris para editar os Anais Franco-Alemães. Com este nome, de oposição aos nacionalistas franceses e alemães, querem dizer que uma das condições de êxito da luta contra a reação está na estreita aliança política entre Alemanha e França. Nos Anais Franco-Alemães, Marx formulou pela primeira vez os pontos fundamentais de sua futura filosofia, nos quais de democrata liberal se transformou em comunista.