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Primeira Edição: Bandeira Vermelha, 18 Março 1981 - sob o pseudónimo João Braz
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Porque não pôde o jovem PCP esboçar sequer a resistência de massas ao golpe militar fascistas de 28 de Maio de 1926? Os revisionistas de Cunhal, sempre discretos em questões de história, pouco mais adiantam para além da imaturidade política e ideológica do partido. Não lhes convém falar da dura luta de tendências que se travava no interior do partido, que levou à sua cisão em 1923 e que acabou por dar o domínio da direcção ao grupo direitista de Carlos Rates. Não lhes convém reconhecer que foi o oportunismo de direita que paralisou o PCP nesses anos difíceis. Encobrem os seus antepassados, como é natural.
Para os comunistas, pelo contrário, a comemoração do 60° aniversário da fundação do PCP é ocasião para pôr a claro a luta interna que se travou nas suas fileiras e as causas da sua degeneração.
Como testemunho dessa acesa luta de tendências que agitava o PCP, recordemos hoje um episódio pouco conhecido, surgido no primeiro ano da sua existência.
Sob o titulo “Revolução imediata? Sim!’’, publicava em Novembro de 1921 O Comunista(1) dois artigos de José de Sousa, dirigente da Juventude Comunista. Eis em resumo os seus argumentos:
Defender a ditadura do proletariado e salvar a revolução russa pela revolução imediata no nosso país são as razões de existência do Partido Comunista. Há contudo “camaradinhas” que em vez de pensar em incendiar as multidões, se ocupam em despejar sobre elas baldes de água gelada. Dizem que a revolução é inviável num país pequeno como o nosso; acham mais inteligente esperar que a burguesia resolva a actual crise económica, para livrar desse fardo o futuro regime socialista.
Julgam esses camaradas — interroga Sousa — que a crise económica pode ser resolvida pelo capitalismo? Que confiança têm afinal na capacidade do proletariado acabar com as crises? Não sabem que o entrechoque dos interesses das grandes potências não tornará fácil que cheguem a um acordo para a intervenção armada em Portugal? E mesmo admitindo a hipótese de intervenção, será que isso justifica a espera passiva ou mostra a necessidade de unirmos as forças revolucionárias e ligarmos a nossa revoluçâo à revolução em Espanha?
A verdade — prossegue Sousa — é que esses “pseudocomunistas” desfrutam de posições cómodas que receiam perder e estão contaminados pelo “bom-tom” que arrastou os chefes anarquistas a caluniar a revolução russa e a acomodar-se à sociedade burguesa.
Que fazer, pois? “O Partido Comunista pode e deve obstar a que filiados seus continuem esta propaganda deletéria e criminosa, se quiser ser um partido da revolução, como afirmava no seu manifesto de apresentação e como a Internacional Comunista lhe exige que seja”. Há que ir “até à irradiação, se tanto for necessário”.
Se quisermos encontrar os visados pelo rude ataque de José de Sousa bastará folhear mais alguns números do jornal do partido. Tomemos por exemplo o artigo “Palavras francas” —, saído duas semanas antes, no Comunismo n° 3, de 30 de Outubro. Basta transcrever algumas passagens;
“… Ao proletariado organizado não lhe convém de modo nenhum receber a herança dum país desmoralizado, indisciplinado, enlouquecido por dissensões partidárias. Para a grande obra de regeneração moral, social e económica que se tem de levar a cabo, é necessário calma, serenidade e um grande espírito de sacrifício e de abnegação. Não é de bandos alucinados ululando vingança que há a esperar semelhante coisa.
… É certo que nós também pregamos, que nós também apelamos com todas as nossas energias para a Revolução social. Mas esta expressão é menos um grito de guerra que um apelo às consciências. Clamamos para a Revolução social como para uma reviravolta reflexiva dos espíritos… Clamamos calma, serenidade e disciplina. A hora não soou ainda.”
Este artigo não assinado, muito provavelmente da autoria de Manuel Ribeiro, um dos fundadores do partido e redactor principal do jornal(2), exprime bem o ponto de vista dos “camaradinhas” que José de Sousa criticava. E ele não é um caso isolado, como depressa verifica quem ler a imprensa e os documentos da época do PCP.
Dum lado, o entusiasmo revolucionário, turvado pela crença ingénua na “revolução imediata”(3). Do outro, o temor pequeno-burguês aos “bandos alucinados ululando vingança”. Isto retrata bem a divisão cavada entre os militantes anarco-sindicalistas que meses atrás se tinham juntado para fundar o PCP. Divisão que os levou em 1923 a criar dois grupos rivais e obrigou à intervenção da Internacional Comunista para reunificar o partido.
O oportunismo de direita era porém a tendência dominante e mais ameaçadora. À medida que se saía da crise revolucionária que convulsionara a Europa e que se esvaíam as ilusões no desmoronamento iminente da sociedade burguesa, mais forte se tornava dentro do PCP a corrente de direita. Dois anos depois da polémica que acima recordamos, Manuel Ribeiro convertia-se ao catolicismo e Nascimento Cunha, outro dos fundadores. passava-se para o Partido Radical. Mais um ano a seguir, era Carlos Rates, o secretário-geral do partido, que se tornava jornalista ao serviço da reacção. Uma verdadeira debandada.
E o que é pior — o partido não se arma através de uma séria luta interna para se desembaraçar do oportunismo e marchar adiante. A conciliação forçada entre as tendências opostas a partir de 1923 encadeou as forças revolucionárias do partido, fê-lo estiolar. Quando chegou o 28 de Maio, a vontade revolucionária do PCP, a sua influência operária e popular, tinham-se afundado. A tolerância com o oportunismo produzira os seus frutos envenenados. Só em 1929 o partido conseguiu reorganizar-se.
Notas de rodapé:
(1) N° 5 e 7, de 13 e 27 de Novembro de 1921. (retornar ao texto)
(2) Numa entrevista ao Diário de Lisboa, poucas semanas depois. Ribeiro pedia, “em nome dos comunistas, tranquilidade para resolver os problemas económicos do país”. (retornar ao texto)
(3) Com uma acção muito positiva na vida do PCP até 1934, José de Sousa nunca superou por completo a mentalidade anarco-sindicalista, o que o levou a abandonar o partido em 1942, no Tarrafal. Aderiu depois ao Partido Socialista. (retornar ao texto)
Inclusão | 10/06/2018 |