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Álvaro Cunhal, vol. III: O prisioneiro (1949-1960), J. Pacheco Pereira. Temas & Debates, Lisboa, 2005,748 pp. Leitura obrigatória para quem queira conhecer a história do PCP, o trabalho de Pacheco Pereira reúne neste 3º volume uma documentação exaustiva sobre o período de 1949 a 1960, entre a prisão de Cunhal e a sua fuga do forte de Peniche.
Acompanhando a situação internacional (primeiro, a “guerra fria”, a NATO e a guerra quente na Coreia; depois a distensão e “coexistência pacífica” promovidas pelo XX Congresso do partido soviético), também em Portugal se passa de uma fase de ruptura entre o PCP e as restantes forças da oposição, para uma tentativa de reatamento da “Unidade”, a culminar no V congresso e na campanha eleitoral de Humberto Delgado.
A tentativa de explicar as grandes oscilações da política do PCP apenas pela obediência à direcção da URSS é contudo demasiado simplista. Ela omite o factor principal — a ausência de estratégia dos comunistas portugueses, que os colocou sempre na dependência das variações da conjuntura, tanto nacional como internacional.
É o factor político interno que pesa sobretudo no endurecimento da política do PCP no período de 1949-54. A criação do MND, a candidatura de Ruy Luís Gomes, o conflito com o campo republicano e com um certo número de intelectuais, que PP atribui ao desejo de impor o diktat aos restantes oposicionistas, correspondem na realidade ao entrincheiramento do partido na resistência à ditadura de Salazar, quando na oposição, desmoralizada pelo malogro das grandes esperanças do fim da guerra mundial, imperava a inércia ou a busca de compromissos.
Resulta curiosa por isso a crítica de PP à “estrita ortodoxia” do PCP, quando o seu próprio relato mostra que os “democratas” se deslocavam francamente para a direita, seguindo a música que vinha de fora (Egas Moniz defendia o Pacto do Atlântico; Cunha Leal demarcava-se publicamente de “partidos de inspiração estrangeira”; Quintão Meireles reivindicava-se do “espírito do 28 de Maio” e tinha entre os seus apoiantes um ex-director do campo do Tarrafal; e se os intelectuais dissidentes eram por vezes alvo de insultos no Avante, o facto é que o seu oposicionismo vacilava perigosamente). O “período sectário” de José Gregório, com todos os seus erros, manteve de pé a resistência à ditadura quando a tendência avassaladora era para a capitulação — este um aspecto central na trajectória do PCP que o autor obviamente não reconhece.
A intransigência da direcção do partido começa porém a desmoronar-se quando chegam do exterior os sinais da “grande viragem”. A repugnância de Gregório e de boa parte dos militantes perante as novidades vindas da URSS — a denúncia de Staline, a reconciliação com Tito, a “coexistência pacífica”, a “passagem parlamentar ao socialismo”… — é mais instintiva do que apoiada numa base política sólida. O episódio kafkiano do “desmantelamento da fracção” de João Rodrigues mostra que a prática totalidade dos dirigentes do partido procuravam às apalpadelas, entre acusações mútuas, justificações para deitar pela borda fora a linha política anterior. É só então que Júlio Fogaça, que até aí actuara “sob vigilância”, devido aos desvios passados, vê aberto o caminho para aplicar a política que de há muito considerava mais eficaz: levar o partido a renunciar a posições próprias, na esperança de assim proporcionar o alargamento da Oposição e uma “saída doce” ao regime fascista.
Mas, depois da euforia do V Congresso e das propostas do “afastamento pacífico de Salazar”, os dois anos seguintes, com a maré popular desencadeada pela candidatura de Humberto Delgado, revelam o total equívoco dos raciocínios de Fogaça e conduzem a “solução pacífica” ao naufrágio e o partido à beira da desagregação. Reúnem-se as condições que permitirão a Cunhal “corrigir o desvio” após a fuga da prisão.
No conjunto, e tal como nos volumes anteriores, há um contraste chocante entre o interesse dos elementos factuais recolhidos e o obtuso anticomunismo militante do autor. PP encara a história destas gerações de homens e mulheres que se ergueram contra a ditadura fascista de Salazar — e que por isso ganharam a confiança de boa parte da população mais oprimida e dos intelectuais progressistas — como se se tratasse de um fenómeno de “fanatismo” e de “obediência ao estrangeiro”. A luta interna por vezes exasperada que acompanha este período de perseguição implacável é pintada no estilo habitual da literatura anticomunista: tudo se resumiria a lutas pessoais, acusações paranóicas, purgas, assassínios, encobertos sob pretextos políticos. Não se estranha por isso que emane de todo o relato, sem dúvida rico em informação, um desagradável ranço policial, como se a história dos comunistas coubesse numa colecção de fichas da PIDE.
O volume comporta ainda um desenvolvido comentário à produção literária e artística de Cunhal na prisão.
Inclusão | 30/05/2018 |