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Quando foi do 25 de Abril, trabalhava eu numa empresa de construção em Tróia. Apanhámos um dos primeiros barcos para Setúbal e viemos encontrar Lisboa em grande ebulição, na caça aos pides. “Além vai mais um”, gritava alguém, e tudo corria. “Eu não sou pide”, gaguejava o indivíduo. “Sou pintor da construção civil”. Ei-io entregue aos destacamentos da Marinha e a festa continuava. Fomos até ao Jardim do Regedor: “Entrou um pide para aquele prédio, conheço-o muito bem”, afiançava um homem dos seus 50 anos que dizia ter saído da cadeia de Caxias, e lá corria tudo pela escada acima. Fomos ao quartel dos legionários, não estava lá ninguém, só deu para atirar umas fardas e uns capacetes pela janela.
Depois foi o 1º de Maio e o grande desfile da Alameda até ao estádio; uns cantavam, outros gritavam, quem é que não chorou?
Em Dezembro, estava eu a prestar serviço militar em Cavalaria 6, no Porto, vi-me metido na primeira grande luta pela democracia na unidade, que era considerada uma das mais “disciplinadas”. Levámos de vencida as ameaças e truques do comandante e durante três dias fomos nós que mandámos no quartel, até os reaccionários serem saneados e serem abolidas as praxes militaristas.
Dali fui para Infantaria 16, em Évora, onde conheci os “grandes” da altura. Começava-se a pôr de pé as comissões de soldados, as ADUs, as ADRs, as Inter-comissões. Vim a ser eleito para o GDR, o Gabinete de Dinamização Regional, que teve intervenção directa em todo o processo da Reforma Agrária: reorganização agrária, passagem de mandados de captura, inventário das herdades ocupadas, etc. Era ao GDR que as pessoas se vinham queixar de todos os males: do patrão que não pagava, do agrário que levava o gado para Espanha, dos atentados e ameaças, etc.; às vezes também tínhamos que dar uma “lição de moral” ao pedreiro que gastava o salário do mês na discoteca.
Com o 25 de Novembro, o Gabinete foi extinto e os seus membros expulsos das Forças Armadas. Fui expulso por uma ordem de 27 de Novembro assinada por Ramalho Eanes. Assim terminava uma etapa da minha vida e uma etapa na luta do nosso povo por uma sociedade mais justa e mais humana.
★★★
CONVERSA DO BRIGADEIRO
Saneamento à esquerda?
Não era a minha intenção
mas apenas transferi-los
para outra região
Já pedi mais instruções
ao nosso chefe general
não vejo que transferências
possam trazer algum mal
Conheço bem os soldados
porque já fui coronel
lá fora que mandem eles
mando eu no meu quartel
Deixem-se de plenários
e haja disciplina
eles que cumpram as ordens
que lhes mando cá de cima
Vou dar cabo da anarquia
que grassa pelo país
isto vai com autoridade
corta-se o mal pela raiz.
(da peça Ofensiva popular, representada pelo
Grupo de Teatro de Mem Martins)
Inclusão | 23/11/2018 |