O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


Meu saudoso PREC
João Azevedo, actor, 48 anos


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Eu tinha despertado para a política quase por acaso, nos grupos de teatro amador, por causa do Brecht e da influência de malta de esquerda que por lá andava. Não ia muito à bola com o PCP por causa da questão colonial — tinha feito a guerra em Angola e achava o PCP muito frouxo. Mas também não me agradava a dispersão dos grupos de esquerda, pareciam-me coisas de estudantes. Só aderi já em 75, quando alguns grupos criaram uma plataforma de entendimento.

Logo no 25 de Abril, quando ouvi o comunicado do Spínola na rádio, pensei que aquilo não dava certo com o entusiasmo popular que eu tinha visto nas ruas. O povo, é certo, obrigou a que se cumprisse o 25 de Abril muito para além do que pretendia o Spínola, mas não conseguiu levar a coisa até onde era preciso.

Fiz parte das comissões de moradores na Ajuda, ajudei a ocupar muitas casas. Fazíamos uma lista das pessoas necessitadas, dávamos-lhe a casa e depois tratávamos de legalizar a situação. Uma vez, ocupámos um prédio na calçada da Boa Hora, o dono era major da Força Aérea, mandou a polícia para nos desalojar. Mas nós tínhamos o apoio da Polícia Militar: mandámos os polícias para trás, nem o senhorio tinha ordem para lá entrar. Ainda cheguei a ir a tribunal, anos mais tarde, por causa disso. Mas fizemos bem. Como nós dizíamos, “não pode haver casas sem gente enquanto houver gente sem casa”. Olha hoje: há mais casas devolutas em Lisboa do que gente à procura de casa. Se calhar estava a fazer falta um movimento semelhante ao de há vinte anos, é pena que não haja agora condições para isso.

Entretanto eu fazia as minhas coisas no teatro da Ajuda. O teatro nessa altura não se queixava de crise, tinha público, porque não era hermético, mexia com a vida das pessoas. Foi uma grande experiência. No fim do espectáculo, havia sempre um debate em que as pessoas passavam da peça para os seus problemas.

No 25 de Novembro eu estava na calçada da Ajuda, junto ao Regimento da PM, e vi como o PC mandou ordem para os seus militantes se retirarem; a maioria saiu de má vontade. Mas o que me custou mais foi que depois veio ordem também da UDP para nós sairmos. Diziam que era para evitar uma guerra civil mas penso que houve um certo pânico com o golpe, eles afinal talvez não tivessem assim tanta força como aparentavam. Eu só via que ali íamos deixar perder tudo. E foi o que aconteceu.

Parece que algumas pessoas já se esqueceram de como foi importante o que se conquistou nesse tempo. Eu chamo-lhe sempre “o meu saudoso PREC”. Excessos? Não houve excessos nenhuns, se calhar houve mas foi falta de autoridade e firmeza dos revolucionários. Por isso chegámos a esta desgraça. O 25 de Abril qualquer dia é como o 5 de Outubro: flores ao cemitério e ninguém liga nenhuma.

★★★

Exigimos::

  1. Que os novos bairros sejam construídos nas mesmas zonas em que actualmente vivemos;
  2. A expropriação dos terrenos livres e ocupados nas zonas dos actuais bairros;
  3. Uma resposta sobre a data de início da construção;
  4. Que os moradores possam decidir sobre o tipo de casa a construir;
  5. Que o financiamento dos moradores ou bairros organizados em cooperativas seja um empréstimo sem juro ou com juro máximo de 2%;
  6. Que a renda a atribuir não exceda 10% do rendimento do chefe de família;”
  7. (...)

(Inter-Comissões de Moradores dos Bairros de Lata e Bairros Pobres de Lisboa, 15/2/75)

continua>>>


Inclusão 23/11/2018