MIA> Biblioteca> Temática > Novidades
Em 74-75 vivi uma grande experiência na organização sindical dos trabalhadores da indústria de carnes do distrito de Lisboa. Logo após o 25 de Abril, o sindicato, nas mãos de elementos do PC, era um organismo completamente adormecido que não dava qualquer assistência a milhares de trabalhadores. Eu e um grupo de camaradas interviemos quando, em fábricas de tripas de Sacavém, como a Cesbom e Tripalex, os proprietários fogem com o dinheiro deixando os salários por pagar. Às operárias não restava outra alternativa senão ocupar as instalações para garantir, tanto quanto possível, o ganha-pão. Ajudámo-las nas ocupações e a organizar turnos que ali permaneciam dia e noite. Estas operárias eram bastante combativas devido à influência dos maridos, também operários, e às tradições de luta da zona de Sacavém e tornaram-se a grande força do sindicato renovado por nós.
Até aí, era frequente, nos plenários dos trabalhadores do comércio de carnes, estarem presentes mais pequenos patrões do que operários. Tivemos que actualizar ficheiros e sanear todos os que não eram assalariados. Criámos um serviço de contencioso para apoiar os sócios, a que deu óptima colaboração um grupo de advogados.
Interviemos também nos matadouros de aves (Freixial, etc.), onde a repressão era enorme, com horários desumanos, assédio sexual e até agressões às operárias. Começámos a sindicalizar as mulheres e fazíamos eleições directas nos locais de trabalho de delegadas sindicais e comissões de trabalhadores. Após longas lutas de desgaste, foi negociado pela primeira vez o contrato colectivo de trabalho para ambos os sectores. Outro campo de intervenção foi nos trabalhadores de carnes dos supermercados, já libertos do vínculo de dependência face ao patrão, próprio das pequenas empresas tradicionais, e que se estavam a juntar à luta geral dos proletários pelos seus direitos. Perante a sabotagem económica e as ameaças de encerramento, muitos assumiram a gestão das suas empresas.
Com tudo isto, sei que nunca passámos duma fase incipiente porque o movimento operário, como um todo, nunca passou à luta política para deitar abaixo o poder burguês e a ordem dos capitalistas. Assim, puderam os “salvadores da Pátria”, meter tudo outra vez sob controle, à custa de métodos brutais de que agora ninguém fala: destruição de sedes de partidos de esquerda e de sindicatos; estado de sítio e recolher obrigatório no 25 de Novembro; prisões arbitrárias de militares de Abril, enquanto se davam cartões de livre trânsito, de acesso aos quartéis, a dirigentes da extrema-direita; saneamento dos delegados sindicais quando não se deixavam comprar a troco de promoção; integração maciça de retornados nas empresas, em detrimento dos operários com experiência de luta; isenção do serviço militar para os jovens das incorporações de 74... Foi tal a onda de medo e de derrotismo, que, até nas organizações de esquerda, os que tinham estado à frente dos interesses dos trabalhadores foram escorraçados, alcunhados de anarco-sindicalistas, guevaristas, populistas.
★★★
“Tanto podemos trabalhar duas ou três horas como sete ou oito. O patrão diz que este trabalho tem de ser assim porque é conforme as encomendas. Nós achamos que temos direito a um horário fixo, porque queremos ter tempo para tratar dos nossos filhos, não os queremos na rua até que horas da noite! Queremos comer com as nossas famílias, não somos escravas!”
(Entrevista com operária do matadouro de aves do Carregado, Voz do Povo, 4/11/75)
Inclusão | 23/11/2018 |