O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


O povo à porta do quartel a pedir armas
José Manuel Ferreira, vendedor, 53 anos


capa

Eu estava em casa, de baixa, e apareceu uma vizinha a correr: “Houve um golpe, uma revolução.” Alvoroçado, fui logo tentar saber o que se passava, agarrado à bengala, apesar do anúncio na televisão a dizer que todos se mantivessem calmos. Apanhei o comboio e quando cheguei ao Rossio vi muita gente — as pessoas afinal não se tinham mantido em casa como eles pediam. Estive no Carmo e na António Maria Cardoso, no meio da multidão.

No 1º de Maio já estava em forma e lá fui na manifestação, direito ao Estádio 1º de Maio. Foi um caudal, uma loucura, as pessoas falavam umas com as outras sem se conhecerem de lado nenhum, uma alegria, não havia divisão nenhuma.

Nessa altura eu já estava organizado num grupo, os CCR; antes disso, tinha sido do MRPP e tinha estado preso em Caxias. Antes do 25 de Abril, na Messa, no meio operário, tinha vivido situações de luta, principalmente das mulheres; eu estava também metido no Mem Martins Sport Clube, onde, apesar de não haver liberdade, se faziam umas coisinhas, uns cantos populares... Assim que veio a liberdade, começámos a desenvolver o trabalho de fábrica, tivemos uma comissão de trabalhadores que foi das primeiras no país a desenvolver uma luta, vieram trabalhadores da Lisnave, da Setenave, da GE, da Ogma...

Entretanto, ia fazendo teatro, de apoio à luta dos trabalhadores. O primeiro espectáculo foi em Maio, em Belém, transmitido pela televisão, um espectáculo em que também esteve a Comuna. Depois pegámos nas «Espingardas da Mãe Carrar», que foi um grande sucesso, durou mais de um ano. Andámos pelo Alentejo, de Berliet, com os soldados a confraternizarem connosco, dormimos no chão... E andámos por aí fora, na campanha de dinamização no distrito de Castelo Branco, apoiando as sessões do MFA, intervínhamos junto da população, púnhamos o povo a cantar connosco... Foi uma experiência fantástica! Claro que «As Espingardas...» falava de algo que dizia muito respeito às pessoas — , não se podia ficar neutro que nós puxávamos para o lado da revolução socialista.

O problema é que, com o desenrolar da luta política, muitos dos que eram de esquerda passaram a ser de direita, até na própria Messa, e no clube aconteceu o mesmo — da euforia passou-se à fase da luta partidária. Começaram a querer meter-nos numa camisa de forças, começou a haver fricções, queriam inclusive fazer receitas, que cobrássemos dinheiro. Acabámos por transformar o grupo de teatro em cooperativa e rompemos com o clube.

Quando fomos à Marinha Grande, tinha havido em Espanha a morte dos cinco revolucionários. Na peça havia uma bandeira vermelha. Para nos solidarizarmos com os nossos irmãos espanhóis, fizemos uma bandeira da FRAP, com as cores republicanas, e levámo-la connosco. Quando nos aproximámos da Praça de Espanha, mandámos parar o autocarro da aviação em que seguíamos, porque havia um grande burburinho junto à embaixada. Saímos com a bandeira da FRAP e ainda ajudámos a queimar algumas coisas. E lá fomos de bandeira desfraldada até à Marinha Grande. O teatro estava cheio que nem um ovo. Quando dei início à intervenção — fazíamos sempre uma intervenção de fundo para situar a peça —, pedi um minuto de silêncio pela morte dos nossos camaradas espanhóis. Tudo de pé, de punho no ar.

No 11 de Março, quando ouvi as notícias, fui logo direito ao Ralis. O povo estava cá fora a pedir armas. Como conhecia lá gente, deixaram-me entrar e deram-me uma G3, um capacete e um casaco. Por essa altura já tinha saído a ambulância com o soldado Luís, que morreu. Vieram ordens para irmos ocupar a ponte sobre o Tejo e aí, num carro de assalto, apontámos o canhão para a auto-estrada, porque corria o boato de que uns gajos de Santarém vinham por aí abaixo.

No dia seguinte, fomos com a peça a Lanceiros 2 e o major Tomé, da PM, faz uma introdução para os soldados presentes em que diz: «Vai entrar na peça um actor que ainda ontem estava a dar prova daquilo que a gente vai ver, que é não ser neutral: estava em cima de um tanque preparado para o que desse e viesse.»

★★★

VIVA A GUINÉ-BISSAU LIVRE E INDEPENDENTE

Senhoras e senhores vamos agora cantar
A Guiné-Bissau livre e independente

O povo oprimido pega em armas para lutar
p’la Guiné-Bissau livre e independente

Guiado p’lo partido de vitória em vitória
O sangue dos seus filhos mostra o caminho da história

na Guiné-Bissau livre e independente

Viva o PAIGC e viva Amílcar Cabral
da Guiné-Bissau livre e independente

E viva a Frelimo e o povo angolano
e a Guiné-Bissau livre e independente

Angola será livre Moçambique já é
como a Guiné-Bissau livre e independente

Senhores e senhores vamos agora cantar
a Guiné-Bissau, Moçambique e Angola

E os trabalhadores portugueses e africanos
Irmãos na mesma luta contra os exploradores
da Guiné-Bissau, Moçambique e Angola

Viva a classe operária e o povo trabalhador
da Guiné-Bissau, Moçambique e Angola
e Cabo Verde
e São Tomé e Príncipe
e de Portugal

continua>>>


Inclusão 23/11/2018