História da Revolução Russa

Léon Trotsky


A questão nacional


A língua é o instrumento mais importante da ligação do homem ao homem, e, por consequência, de ligação na economia. Ela torna-se uma língua nacional com a vitória da circulação mercantil que une uma nação. Sobre esta base estabelece-se o Estado nacional, como terreno mais cómodo, mais vantajoso e normal das relações capitalistas. Na Europa ocidental, na época da formação da nações burguesas, se deixarmos de lado a luta dos Países-Baixos pela independência e a sorte da Inglaterra insular, começou pela grande Revolução francesa e no essencial terminou, pouco mais ou menos num século, pela constituição do Império alemão.

Mas, no período onde o Estado nacional na Europa já tinha cessado de absorver as forças de produção e se desenvolvia o Estado imperialista, no Oriente – na Pérsia, nos Balcãs, em China, na Índia – ainda estavam na era das revoluções nacionais-democráticas cujo impulso foi dado pela Revolução Russa de 1905. A guerra nos Balcãs em 1912 representou a realização da formação dos Estados nacionais ao sudeste da Europa. A guerra imperialista que seguiu concretizou, entretanto, na Europa, a obra incompleta das revoluções nacionais levando ao desmembramento da Austria-Hungria, a criação de uma Polónia independente e de Estado limítrofes que se separaram do Império dos czares.

A Rússia constitui-se não como um Estado nacional, mas como um Estado de nacionalidades, isso respondia ao seu carácter atrasado, sobre a base da agricultura extensiva e do artesanato aldeão, o capital mercantil desenvolvia-se não em profundidade, não em transformando a produção, mas em largura, aumentando o raio das suas operações. O comerciante, o proprietário e o funcionário deslocavam-se do centro para a periferia, no seguimento dos camponeses que se dispersavam, e, à procura de novas terras e excepções fiscais, penetravam em novos territórios onde se encontravam populações ainda mais atrasadas. A expansão do Estado era essencialmente a extensão de uma economia agrícola que, apesar de todo o seu primitivismo, revelava uma superioridade sobre os nómadas do Sul e do Oriente. O Estado das castas e da burocracia que se formou sobre esse imensa base e constantemente alargada tornou-se bastante potente para assujeitar, no Ocidente, certas nações de uma cultura superior mas incapaz, em razão da sua pouca população ou de uma crise interior, de defender a sua independência (Polónia, Lituânia, províncias bálticas, Finlândia).

Aos setenta milhões de Gran-Russos que constituíam o massivo central do país acrescentaram-se gradualmente cerca de noventa milhões de «alógenos» que se dividiam nitidamente em dois grupos: os Ocidentais, superiores aos Gran-Russos pela sua cultura, e os Orientais, de um nível inferior. Assim se constituiu um império no qual a nacionalidade dominante só representava 43% da população, enquanto que 57% (cujos 17% de ucranianos, 6% de polacos, 4,5% de russos brancos) se relacionavam a nacionalidades diversas pelo seu grau de cultura e desigualdade de direitos.

As ávidas exigências do Estado e a indigência da base camponesa sob as classes dominantes engendravam as formas mais ferozes de exploração. A opressão nacional na Rússia era infinitamente mais brutal que nos Estados vizinhos, não somente da fronteira ocidental, mas mesmo sobre a fronteira oriental. O grande número das nações lesadas em direito, e a gravidade da sua situação jurídica davam ao problema nacional na Rússia czarista uma força explosiva enorme.

Se, nos Estados de nacionalidade homogénea, a revolução burguesa desenvolvia potentes tendências centrípetas, passando sob o signo de uma luta contra o particularismo como em França, ou então um divisão nacional como em Itália e na Alemanha – nos Estados heterogéneos tais como a Turquia, a Rússia, a Áustria-Hungria, a revolução atrasada da burguesia desencadeava, pelo contrário, as forças centrífugas. Apesar da evidente oposição desses processus, exprimida em termos de mecânica, a sua função histórica é a mesma na medida onde, nos dois casos, tratava-se de utilizar a unidade nacional como um reservatório económico importante: era preciso para isso fazer a unidade da Alemanha, era preciso pelo contrário desmembrar a Áustria-Hungria.

Lenine tinha calculado no devido tempo o carácter inevitável dos movimentos nacionais centrífugas na Rússia e, durante anos, tinha lutado obstinadamente, nomeadamente contra Rosa Luxemburgo pelo famoso parágrafo 9 do velho programa do partido, formulando o direito das nações a disporem delas próprias, isto é, a se separarem completamente do Estado. Por aí, o partido bolchevique não se encarregava de forma nenhuma em fazer uma propaganda separatista, ele obrigava-se somente a resistir com intransigência a todas as formas de opressão nacional e, desse número, à retenção pela força de tal ou tal nacionalidade nos limites de um Estado comum. Foi somente por esta via que o proletariado russo pôde gradualmente conquistar a confiança das nações oprimidas.

Mas isso era só um dos lados do assunto. A política do bolchevismo no domínio nacional tinha um outro aspecto, aparentemente em contradição com o primeiro, e que o completava na realidade. Nos cadres do partido e, em geral, as organizações operárias, o bolchevismo aplicava o mais rigoroso centralismo, lutando implacavelmente contra todo o contágio nacionalizado susceptível de opor os operários uns aos outro ou de os dividir. Negando nitidamente ao Estado burguês o direito de impor a uma minoria nacional uma residência forçada ou mesmo uma língua oficial, o bolchevismo considerava ao mesmo tempo que a sua tarefa verdadeiramente sagrada era de ligar, o mais estreitamente possível, por meio de uma disciplina de classe voluntária, os trabalhadores de diferentes nacionalidades, num todo. Assim, ele afastava pura e simplesmente o princípio nacionalo-federativo da estrutura do partido. Uma organização revolucionária não é o prototipo de Estado futuro, ela é somente um instrumento para o criar. O instrumento deve ser adecuado para a fabricação de um produto, mas não deve de forma nenhuma assimilá-lo. É somente uma organização centralista que pode assegurar o sucesso da luta revolucionária – mesmo quando ele se trata de destruir a opressão centralista sobre as nações.

A queda da monarquia devia, para as nações oprimidas da Rússia, de toda a necessidade, significar também a sua revolução nacional. Aqui se manifesta, entretanto o que se tinha produzido em todos os outro domínios do regime de Fevereiro: a democracia oficial, ligada pela sua dependência política em relação à burguesia imperialista, encontrou-se absolutamente incapaz de destruir os velhos obstáculos. Considerando incontestável o seu direito de regularizar a sorte de todas as outras nações, ela continuou a salvaguardar com zelo as fontes de riqueza, de força, de influência que davam à burguesia gran-russa a sua situação dominante. A democracia conciliadora interpreta somente as tradições da política nacional do czarismo na linguagem uma retórica emancipadora: trata-se agora de defender a unidade da revolução. Mas a coligação dirigente tinha um outro argumento, mais grave: considerações motivadas pelo tempo de guerra. Isso significa que os esforços de emancipação de diversas nacionalidades eram representadas contra a obra do Estado-maior austro-alemão. Aí também, os cadetes tocavam os primeiros violões, os conciliadores os acompanhavam.

O novo poder não podia, bem entendido, deixar intacta a abominável profusão de ultrajes medievais infligidos aos alógenos. Mas ele esperava limitar-se, e procurava fazê-lo, simplesmente à abolição das leis de excepção contra as diversas nações, isto é ao estabelecimento de uma igualdade aparente de todos os elementos da população diante da burocracia do Estado gran-russo.

A igualdade formal dos direitos jurídico era sobretudo vantajoso para os judeus: o número de leis que limitavam seus direitos atingia o número de seiscentos e cinquenta. Além disso, como nacionalidade exclusivamente urbana e das mais dispersas, os judeus não podiam pretender não somente a uma independência no Estado, mas mesmo a uma autonomia territorial. No que diz respeito ao projecto dito de uma «autonomia nacional-cultural», que devia unir os judeus sobe a extensão de todo o país à volta das escolas e de outras instituições, esta utopia reaccionária, copiada por diversos grupos judeus ao teórico Otto Bauer, fundiu-se logo com os primeiros dias da liberdade como a cera sob os raios do sol.

Mas a revolução é precisamente uma revolução porque ela não se satisfaz com esmolas, nem com pagamentos a crédito. A anulação de restrições as mais vergonhosas estabelecem com forma de igualdade de direitos dos cidadãos, independentemente da nacionalidade; mas tanto mais que se manifestava a desigualdade dos direitos jurídicos das próprias nações, deixando-as em maior parte na situação de crianças ilegítimas ou adoptada pelo Estado gran-russo.

A igualdade dos direitos civis não dava nada aos Finlandeses que procuravam não a igualdade com os russos, mas a sua independência em relação à Rússia. Ela não trazia nada aos ucranianos que, antes, não tinham conhecido qualquer restrição, porque tinham-os declarado russos à força. Ela não mudava nada à situação dos letões e estonianos, esmagados pela propriedade das terras alemãs e pela cidade russo-alemã. Ela não aliviava em nada nos seus destinos os povos e populações atrasadas da Ásia, mantidos nas profundezas da falta de direitos jurídicos não pelas restrições, mas pelas correntes de uma servidão económica e cultural. Todas essas questões, a coligação liberalo-conciliadora não queria mesmo a colocar. O Estado democrático era sempre o mesmo Estado do funcionário gran-russo que não se dispunha a ceder seu lugar a ninguém.

À medida que a revolução ganhava das massas mais profundas da periferia, mais se tornava manifesto que a língua oficial era a das classes possuidora. O regime da democracia pela forma, com a liberdade da imprensa e de reunião, obrigava as nacionalidades atrasadas e oprimidas a sentir ainda mais dolorosamente quanto elas estavam privadas de meios culturais os mais elementares de um desenvolvimento cultural: escolas próprias, tribunais, e os seus funcionários. Os envios à futura Assembleia constituinte eram somente irritantes: porque enfim, na Assembleia, deviam dominar os mesmos partidos que tinham criado o governo provisório e continuavam a manter as tradições dos russificadores, marcando com brutalidade o limite para lá do qual as classes dirigentes não queriam ir.

A Finlândia tornou-se repentinamente um espinho no corpo do regime de Fevereiro. Logo pela gravidade da questão agrária que levava na Finlândia sobre os torpari, isto é sobre os pequenos agricultores oprimidos, os operários industriais, representando ao total quatorze por cento da população, arrastavam atrás deles a aldeia. O Seim finlandês (o parlamento) é no mundo o único parlamento onde os sociais-democratas obtiveram a maioria; cento e três sobre duzentos lugares de deputado. Tendo proclamando a lei de cinco de Junho o Seim soberano, excepção feita das questões sobre o exército e a política exterior, a social-democracia finlandesa dirigiu-se «aos partidos irmãos da Rússia» para ter o apoio deles, acontece que o pedido foi mal dirigido. O governo colocou-se primeiro de lado deixando a liberdade agir «os partidos irmãos». Uma delegação veio para dar sermão, com Tchkeidze à cabeça, voltou de Hensingfors sem ter obtido resultado. Então os ministros socialistas de Petrogrado: Kerensky, Tchernov, Skobolev, Tseretelli, decidiram liquidar pela violência o governo socialista de Helsingfors. O chefe do Estado-maior do Grande Quartel General, o monárquico Lukomsky, advertiu as autoridades civis e a população que em caso de qualquer manifestação contra o exército russo, «suas cidades e em primeiro lugar, Helsingfors, seriam devastadas». Após ter assim preparado o terreno, o governo, numa manifestação solene, cujo estilo parecia um plagiado da monarquia, pronunciou a dissolução do Seim e, no dia onde começava uma ofensiva na frente, colocou nas portas do parlamento finlandês soldados russos recolhidos da frente. Foi assim que as massas revolucionárias da Rússia receberam, no caminho para Outubro, uma muito boa lição ensinando-lhes qual lugar convencional têm os princípios da democracia na luta das forças de classe.

Diante do desencadeamento nacionalista dos dirigentes, as tropas revolucionárias em Finlândia tomaram uma posição digna. O congresso regional dos sovietes que teve lugar em Helsingfors na primeira quinzena de Setembro declarou: «Se a democracia finlandesa julga necessário retomar as sessões do Seim, todas as tentativas para se opor a esta medida serão consideradas pelo congresso como um acto contra-revolucionário.» Era uma oferta directa de assistência militar. Mas a social-democracia finlandesa, na qual predominavam as tendências conciliadoras, não estava pronta a comprometer-se na via da insurreição. As novas eleições, que tiveram lugar sob a ameaça de uma nova dissolução, asseguraram aos partidos burgueses, de acordo com os quais o governo tinha dissolvido o Seim, uma pequena maioria: cento e oito sobre duzentos.

Mas agora se colocam em primeira linha questões interiores que, nesta Suíça do Norte, nesse país de montanhas de granito e de proprietários avarentos, levam inevitavelmente à guerra civil, a burguesia finlandesa prepara meio abertamente os seus quadros militares. Ao mesmo tempo se constituem as células secretas da Guarda vermelha. A burguesia, para ter as armas e instrutores, dirige-se à Suécia e à Alemanha. Os operários encontram apoio entre os soldados russos. Ao mesmo tempo, nos círculos burgueses que, ainda na véspera, estavam dispostos a se entenderam com Petrogrado, reforça-se o movimento por uma completa separação com a Rússia. O jornal dirigente Huvttdstatsbladet escrevia: «O povo russo está à beira da anarquia... Não deveríamos nessas condições..., nos destacar tanto que possível desse caos?» O governo provisório viu-se forçado em fazer concessões sem esperar a Assembleia constituinte: no 23 de Outubro foi adoptada uma lei de «princípio» sobre a independência da Finlândia, excepção feita dos assuntos militares e das relações exteriores. Mas a «independência», vinda das mãos de Kerensky, já não valia grande coisa: só lhe faltavam dois dias para a sua queda.

Houve outro espinho, muito mais profundamente espetada, foi a Ucrânia. Desde do princípio de Junho, Kerensky tinha proibido o congresso das tropas da Ucrânia convocado pela Rada. Os ucranianos não cederam. Para salvar a cara do governo, Kerensky legalizou o congresso com atraso enviando um telegrama pomposo que os congressistas escutaram com risos pouco respeitosos. A amarga lição não impediu Kerensky de proibir, três semas mais tarde, o congresso dos militares muçulmanos em Moscovo. O governo democrático parecia apressar-se em sugerir às nações descontentes: vocês só receberão o que arrancaram.

No primeiro número do Universal, publicado no 10 de Junho, a Rada acusava Petrogrado de se opor à autonomia nacional, proclamava: «Doravante, nós faremos nós próprios a nossa vida.» Os cadetes tratavam os dirigentes ucranianos como agentes da Alemanha. Os conciliadores dirigiam aos ucranianos exortações sentimentais. O governo provisório enviou a Kiev uma delegação. Na atmosfera superaquecida da Ucrânia, Kerensky, Tseretelli e Terechtchenko viram-se forçados a dar alguns passos em direcção da Rada. Mas após o esmagamento, em Julho, dos operários e dos soldados, o governo virou à direita sobre a questão ucraniana. No 5 de Agosto, a Rada, pela maioria esmagadora, acusou o governo de ter sido, «penetrado pelas tendências imperialistas da burguesia russa», violado a convenção do 3 de Julho.» Quando o governo teve que honrar um acordo – escrevia o chefe do poder ucraniano, Vinnitchenko – acontece que esse governo provisório... era um pequeno vigarista que, pelas sua vigarices, pretendia resolveu um grande problema histórico.» Essa linguagem pouco equívoca mostra bastante qual era a autoridade do governo mesmo nos círculos que deveriam politicamente lhe ser próximas, porque, no fim de contas, o conciliador Vinnitchenko não se diferenciava de Kerensky que como um romancista negligente difere de um advogado medíocre.

Na verdade, em Setembro, o governo publicou, enfim, um acto que reconhecia às nacionalidades da Rússia – num quadro que seria ditado pela Assembleia constituinte – o direito de «dispor de elas próprias». Mas esta carta sem qualquer garantia para o futuro e comportando contradições, extremamente imprecisa em tudo, salvo nas reservas que aí se encontravam, não inspirava confiança a ninguém: os actos do governo provisório gritavam alto contra ele.

No 2 de Setembro, o senado, o mesmo que tinha recusado receber nas suas sessões de novos membros não revestidos do antigo uniforme, decidiu rejeitar a promulgação de uma instrução confirmada pelo governo, dirigida ao secretário geral da Ucrânia, isto é ao gabinete dos ministros de Kiev. Motivo: não existe lei sobre o secretariado e, portanto não se pode enviar instruções a uma instituição ilegal. Os iminentes juristas não escondiam que o próprio acordo do governo com a Rada constituía uma usurpação sobre os direitos da Assembleia constituinte: os partidários mais inflexíveis da pura democracia se encontravam agora do lado dos senadores do czar. Mostrando tanta valentia, os opositores de direita não arriscavam absolutamente nada: eles sabiam que a sua oposição seria completamente ao gosto dos dirigentes. Se a burguesia russa se resignava ainda em reconhecer uma certa independência à Finlândia, que tinha com a Rússia fracos laços económicos, ela não podia de maneira nenhuma consentir na «autonomia» dos trigos da Ucrânia, do carvão do Donetz e do minério de Krivol-Rog.

No 19 de Outubro, Kerensky recomendou por telegrama aos secretários gerais de Ucrânia «de virem urgentemente a Petrogrado para explicações pessoais» sobre a sua agitação criminal em favor de uma Assembleia constituinte ucraniana. Ao mesmo tempo, tribunal de Kiev foi convidado a abrir um processo contra a Rada. Mas as iras lançadas contra a Ucrânia assustavam tão pouco como as gentilezas em relação à Finlândia não contentava.

Os conciliadores ucranianos sentiam-se, entretanto, ainda infinitamente mais instável que os seus primos mais velhos de Petrogrado. Independentemente da atmosfera favorável que rodeava a sua luta para os direitos nacionais, a estabilidade relativa dos partidos pequeno-burgueses da Ucrânia, assim como as outras nações oprimidas, tinha raízes económicas e sociais que se pode qualificar numa só palavra: atrasadas. Apesar do rápido desenvolvimento industrial da região de Donetz e de Krivoi-Rog, a Ucrânia no conjunto continuava a andar a reboque da Grande Rússia, o proletariado ucraniano era menos homogéneo e experiente, o partido bolchevique continuava, tanto em qualidade como em quantidade, fraco, se destacava lentamente dos mencheviques, via mal as coisas da política, e sobretudo no domínio nacional. Mesmo na Ucrânia oriental, industrial, a conferência regional dos sovietes, a meados de Outubro, dava ainda uma pequena maioria aos conciliadores.

A burguesia ucraniana era ainda relativamente mais fraca. Uma das causas da instabilidade social da burguesia russa tomada no seu conjunto era, como nos podemos lembrar, que para a parte a mais potente, ela compunha-se de estrangeiros que nem viviam na Rússia. Na periferia, esse facto complicava-se com um outro que não era de menor importância: a burguesia do país, do interior, pertencia a outra nação que a massa principal do povo.

A população das cidades na periferia distinguia-se totalmente pela sua composição nacional da população das aldeias. Em Ucrânia e na Rússia Branca, o proprietário das terras, o capitalista, o advogado, o jornalista são gran-russos, polacos, judeus, estrangeiro: ora, a população dos campos é inteiramente ucraniana e russo-branca. Nas províncias bálticas, as cidades eram focos da burguesia alemã, russa e judia; a aldeia era completamente letã e estoniana. Nas cidades da Geórgia predominava a população russa e arménia, mesmo essencialmente os costumes, mas não a língua, exactamente como os ingleses na Índia; diante da defesa de seus domínios e de seus rendimentos ligados ao aparelho burocrático; ligados inseparavelmente às classes dominantes de todo o país, os proprietários nobres, os industriais e os comerciantes da periferia agrupavam-se à volta deles um círculo estreito de advogados, jornalistas, parcialmente também de operários, todos russos, transformando as cidades em focos de russificação e de colonização.

A aldeia não era notada enquanto ela se mantinha calada. Todavia, mesmo quando ela começava a levantar a voz com impaciência crescente, a cidade teimou na resistência, defendendo a sua situação privilegiada. O funcionário, o comerciante, o advogado aprenderam rapidamente a camuflar a sua luta pela conservação das posições estratégicas da economia e a cultura sob uma altiva condenação do «chauvinismo» desperto. Os esforço da nação dominante para manter o statu quo é frequentemente colorido de um supra-nacionalismo, tal como o esforço de um país vencedor para conservar o que ele pilhou toma a forma do pacifismo. Foi assim que MacDonald, diante de Ghandi, se sente internacionalista. É assim que o avanço dos austríacos para a Alemanha aparece a Poincaré como um insulto para o pacifismo francês.

«As pessoas que vivem nas cidades da Ucrânia – escreve em Maio a delegação da Rada de Kiev ao governo provisório – vêm diante deles as ruas russificas dessas cidades..., esquecem completamente que essas cidade são somente vagas no mar de todo o povo ucraniano.» Quando Rosa Luxemburgo, na sua polémica póstuma sobre o programa da Revolução de Outubro, afirmava que o nacionalismo ucraniano, que tinha sido antes o simples «divertimento» de uma dezena de intelectuais pequeno-burgueses, tinha sido artificialmente inchado pelo fermento da formula bolchevique do direito das nações a disporem delas próprias, ela cai, ainda se tivesse lucida de espírito, num erro histórico muito grave: o campesinato da Ucrânia não tinha formulado no passado reivindicações nacionais pela razão que em geral ela não se tinha elevado até à política. O principal mérito da insurreição de Fevereiro, digamos único, mas suficiente, consistiu precisamente que ela deu, enfim, a possibilidade de falar alto às clases e às nações mais oprimidas da Rússia. O despertar político do campesinato todavia não podia ter lugar de outra forma senão com o regresso à linguagem natal e todas as consequências que daí decorriam, em relação à escola, aos tribunais, às administrações autónomas. Opor-se a isso, teria sido uma tentativa para fazer entrar o campesinato no vazio.

A heterogeneidade nacional entra a cidade e a aldeia fazia-se sentir dolorosamente também pelos sovietes como organizações principalmente urbanas. Sob a direcção dos partidos conciliadores, os sovietes fingiam constantemente ignorar os interesses nacionais da população autóctone. Era isso uma das causas da fraqueza dos sovietes em Ucrânia. Os sovietes de Riga e de Reval esqueciam os interesses dos letões e dos estonios. O soviete conciliador de Baku negligenciava os interesses da uma população principalmente turquestana. Sob uma falsa representação de internacionalismo, os sovietes levavam a cabo frequentemente a luta contra a defensiva nacionalista ucraniana ou musulmana, camuflando a russificação opressiva exercida pelas cidades. Muito tempo passará, mesmo sob o domínio dos bolcheviques, antes que os sovietes da periferia tenham aprendido a falar a língua da aldeia.

Os alógenos siberianos esmagados pelas condições naturais e de exploração, o seu estado primitivo, económico e cultural não permitia em geral elevar-se ao nível onde começam as reivindicações nacionais. A vodka, o fisco e a ortodoxia forçada eram desde há séculos as principais alavancas do poder de Estado. A doença que os italianos chamavam a «doença francesa» e que os franceses chamavam o «mal napolitano» chamava-se entre o povos siberianos o «mal russo»: isso indica de qual fonte vinham as sementes da civilização. A Revolução de Fevereiro não chegou até lá. Era preciso esperar muito tempo ainda a aurora para os caçadores e os condutores de reinas da imensidão polar.

As populações e os povos sobre o Volga, no Cáucaso septentrional, na Ásia central, despertadas pela primeira vez pela insurreição de Fevereiro de uma existência pré-histórica, não conheciam ainda a burguesia nacional nem o proletariado. Acima da massa camponesa ou pastoral se destacavam as camadas superiores um ligeiro tegumento de intelectuais. Antes de se elevar até a um programa de administração nacional autónoma, a luta era levada à volta das questões de um alfabeto que queriam ter para si, seu próprio mestre – por vezes... o seu próprio padre. Esses seres oprimidos deviam constatar pela amarga experiência que os patrões instruídos do Estado não lhes permitiam de boa vontade elevar-se. Atrasados entre todos, eles viram-se forçados em procurar um aliado na classe mais revolucionária. Foi assim que, por elementos de esquerda da sua jovem intelectualidade, os votiaks, os tchuvaches, os zyrianos, as populações do Daguestão e do Turquestão começavam a abrir caminho para os bolcheviques.

O destino das possessões coloniais, principalmente na Ásia central, modificou-se com a evolução económica do centro que, após a pilhagem directa e declarada, nomeadamente a pilhagem comercial, chegando a métodos bem dissimulados, transformando os camponeses da Ásia em fornecedores de matérias primas industriais, principalmente algodão. A exploração hierarquicamente organizada, combinando a barbarie do capitalismo com a dos costumes patriarcais, mantinha com sucesso os povos da Ásia num estado de pobreza nacional. O regime de Fevereiro tinha aqui deixado todas as coisas no seu antigo estado.

As melhores terras que tinham sido confiscadas, sob o regime czarista, entre os bachkirs, os buriates, os quirguiz e outros nómadas, continuavam a ficar entre as mão dos proprietários nobres e dos camponeses russos ricos, disperso nos oásis de colonização entre a população indígena. O despertar do espírito independente nacional significava aqui antes de tudo a luta contra os colonizadores que tinham criado a parcialização artificial e tinham condenado os nómadas à fome e ao definhamente. Por outro lado, os intrusos defendia encarniçadamente contra o «separatismo» dos asiáticos a unidade da Rússia, isto é das suas pilhagens. O ódio dos colonos em relação aos indígenas tomava formas zoológicas. Na Transbaikália preparavam à pressa progroms buriates, a direcção socialista-revolucionária de Março, representada polos escrivões do cantão e dos sargentes vindos da frente.

Esforçando-se para manter o mais tempo possível a velha ordem estabelecida, todos os exploradores e os fazedores de violência nas regiões colonizadas apelavam agora aos direitos soberanos da Assembleia constituinte: esta fraseologia era-lhes fornecida pelo governo provisório que achava neles o seu melhor apoio. Por outro lado, as cimeiras privilegiadas dos povos oprimidos invocavam cada vez mais o nome da Assembleia constituinte. Mesmo os imãs da religião musulmana que tinham levado às populações da montanha e os povos despertados do Cáucaso septentrional a bandeira verde o Corão, em todos os casos onde a repressão de baixo os colocava em situação difícil, insistiam na necessidade de diferir «até à Assembleia constituinte». Isso tornou-se a palavra de ordem dos conservadores, da reacção, dos interesses e privilégios cúpidos em todas as partes do país. O apelo à Assembleia constituinte significava: diferir e temporizar. A temporização significava: reunir forças e abafar a revolução.

A direcção caía todavia nas mãos das autoridades religiosas ou da nobreza feudal somente nos primeiros tempos, somente entre os povos atrasados, quase exclusivamente entre os muçulmanos. De maneira geral, o movimento nacional nas campanhas tinha à cabeça naturalmente os mestre-escola, os escrivões de cantão, os pequenos funcionários e oficiais, parcialmente os comerciantes. Ao lado da intelligentsia russa ou russificada, entre os elementos mais vigorosos e os mais ricos, nas cidades da periferia consegue constituir outra camada mais jovem, estreitamente ligada à aldeia pela suas origens, não tendo encontrado acesso à mesa do capital, e tendo tomado naturalmente a seu cargo a representação política dos interesses nacionais, parcialmente também sociais, das massas profundas do campesinato.

Opondo-se com hostilidade aos conciliadores russos sobre a linha das reivindicações nacionais, os conciliadores da periferia pertenciam ao mesmo tipo essencial e mesmo transportavam muitas vezes as mesmas denominações. Os socialistas-revolucionários e os sociais-democratas da Ucrânia, os mencheviques da Geórgia e da Letónia, os «trabalhistas» da Lituânia esforçavam-se, tal como os seus homónimos gran-russos, em manter a revolução no quadro do regime burguês. Mas a extrema fraqueza da burguesia indígena forçava aqui os mencheviques e o socialistas-revolucionários a recusar a coligação e a tomar nas suas mãos o poder de Estado, obrigados no domínio da questão agrária e operária a ir além do poder centra, os conciliadores a periferia ganhavam muito em mostrando no exército e no país os adversários do governo provisório de coligação. Bastava isso para engendrar destinos diferentes entre os conciliadores gran-russos e os da periferia, pelo menos para determinar a diferença de ritmos da sua ascensão e declínio.

A social-democracia georgiana não somente arrastava atrás de si o campesinato indigente da pequena Geórgia, mas pretendia também, não sem um certo sucesso, dirigir o movimento da «democracia revolucionária» de toda a Rússia. Nos primeiros meses da revolução, as cimeiras da intelligentsia georgiana consideravam a Geórgia não como uma pátria nacional, mas como uma Gironda, uma província bendita do Sul escolhida para dar os chefes para o país inteiro. A conferência de Estado de Moscovo, um dos mencheviques georgianos mais em destaque, Tchkenkeli, prezava-se em afirmar que os georgianos, mesmo sob o regime czarista, na prosperidade como nos contratempos, tinham proclamado: «A única pátria, é a Rússia.» «Que dizer da nação georgiana? - perguntava o mesmo Tchkenkeli um mês depois, à Conferência democrática – ela está completamente ao serviço da grande Revolução russa. «E efectivamente: os conciliadores georgianos como os judeus estavam sempre» ao serviço «da burocracia gran-russa quando era preciso mostrar ou afastar as reivindicações nacionais de diferentes regiões.

Isso continuou, todavia, enquanto os sociais-democratas georgianos conservaram a esperança em manter a revolução no quadro da democracia burguesa. A medida que surgia o perigo de uma vitória das massas dirigidas pela social-democracia georgiana afrouxava os seus laços com os conciliadores russos, ligando-se mais estreitamente aos elementos reaccionários da própria Geórgia. No momento da vitória dos sovietes, os partidários georgianos da Rússia una e indivisível tornaram-se os oráculos do separatismo e mostraram às outras populações da Transcaucásia os incisivos amarelos do chauvinismo.

O inevitável disfarce nacional dos antagonismos sociais, aliás já menos desenvolvidos em regra geral na periferia, explica suficientemente porquê a Revolução de Outubro devia, na maior parte das nações oprimidas, encontrar uma distância cada vez maior que na Rússia central. Mas, em contra-partida, a luta nacional, por ela própria, estremecia cruelmente o regime de Fevereiro, criando para a revolução no centro uma periferia política suficientemente favorável.

Nos casos onde eles coincidiam com as contradições de classe, os antagonistas nacionais tornavam-se particularmente graves. A luta secular entre o campesinato letão e os barões alemãs levou, no início da guerra, milhares de trabalhadores letões a se comprometer voluntariamente no exército. Os regimentos de caçadores compostos de jornaleiros e de camponeses letões contavam entre os melhores na frente. Todavia, em Maio, eles pronunciavam-se já pelo poder dos sovietes. O nacionalismo não era mais senão o envelope de um bolchevismo pouco maduro. Um processo análogo teve lugar também em Estónia.

Na Rússia Branca – onde se encontravam os proprietários polacos, uma população judia na cidades e localidades, assim que os funcionários russos – o campesinato duplamente ou triplamente oprimido, sob a influência da proximidade da frente, dirigia antes de Outubro a sua revolta nacional e social na corrente o bolchevismo. Nas eleições para a Assembleia constituinte, a esmagadora massa de camponeses da Rússia Branca votará para os bolcheviques.

Todos esses processos nos quais a dignidade nacional desperta se combinava com a indignação social, tanto a retinha como a desenvolvia, encontravam um grau elevado da sua expressão viva no exército onde se criavam febrilmente regimentos nacionais, tanto patricionados como tolerados, como perseguidos pelo poder central, seguindo a sua atitude em relação da guerra e dos bolcheviques, mas que, no conjunto, se voltavam com hostilidade cada vez maior contra Petrogrado.

Lenine apalpava com confiança o pulso «nacional» da revolução. No seu famoso artigo A crise está madura, no fim de Setembro, ele insistia que a cúria nacional da conferência democrática «pelo seu radicalismo se colocava em segundo lugar, cedendo aos sindicatos e elevando-se acima da cúria dos sovietes pela percentagem de votos exprimidos contra a coligação (quarenta sobre quarenta e cinco)». Isso significava que, da burguesia gran-russa, as nações oprimidas não esperavam já nada de bom. Elas concluíam cada vez mais seus direitos pela sua própria vontade, por bocados, segundo os métodos das confiscações revolucionárias.

Em Outubro, no congresso dos buriates, na longínqua Verkhneudisk, um relator testemunhava: na situação dos alógenos «a Revolução de Fevereiro não trouxe nada de novo». Igual balanço forçava a se colocar do lado dos bolcheviques ou pelo menos a observar em sua consideração uma neutralidade mais amigável.

O congresso das tropas pan-ucranianas, que tinha lugar já durante as jornadas da insurreição de Petrogrado, decidiu combater a reivindicação da passagem do poder para os sovietes na Ucrânia, mas, ao mesmo tempo, recusou-se a considerar a insurreição dos bolcheviques gran-russos «como uma acção anti-democrática», e prometeu empregar todos os meios para que as tropas não fossem enviadas para esmagar a insurreição. Esta ambiguidade que caracteriza melhor a fase pequeno-burguesa da luta nacional, facilitou a revolução do proletariado decidida a acabar com todo o equívoco.

Por outro lado, os círculos burgueses da periferia, sempre e invariavelmente levados para o poder central, lançavam-se agora num separatismo sob o qual, em muitos casos, não havia sombra de uma base nacional. Ainda na véspera, a burguesia ultra-patriótica das províncias bálticas, a seguir aos barões alemãs, o melhor apoio dos Romanov, metiam-se, na luta contra a Rússia bolchevique e as massas do seu próprio país, sob a bandeira do separatismo. Nessa via produziram-se os fenómenos ainda mais estranhos. No 20 de Outubro surgiu uma nova formação governamental, nomeada «União Sudoeste das tropas cossacas, montanheses e e dos povos livres das estepes». Os altos dirigentes dos cossacos do Don, do Koban, do Ter e de Astrakan, o mais potente apoio do centralismo imperial, tornaram-se em alguns meses os partidários apaixonados da federação e fundiram nesse terreno com os chefes dos muçulmanos montanheses e homens das estepes. As barreiras do regime federativo deviam servir de divisão contra o perigo bolchevique que vinha do Norte. Portanto, antes de criar as principais praças fortes de armas de guerra civil contra os bolcheviques, o separatismo contra-revolucionário visava directamente a coligação dirigente, a democratização e o enfraquecimento.

Assim, o problema nacional, segundo os outros, mostrava ao governo provisório uma cabeça de Medusa cuja cabeleira, esperanças de Março e de Abril, já não era feita de serpentes do ódio e da revolta.

O partido bolchevique esteve longe de ocupar imediatamente após a insurreição a posição na questão nacional que lhe assegurou finalmente a vitória. Isto diz respeito não somente a periferia com as suas organizações de partido fracos e inexperientes, mas o centro de Petrogrado. Durante os anos de guerra, o partido enfraqueceu de tal forma, o nível teórico e político de quadros tinha diminuído de tal forma, que a direcção oficial tomou também na questão nacional, até a chegada de Lenine, uma posição extremamente confusa e hesitante.

Na verdade, conforme a tradição, os bolcheviques continuavam a defender o direito das nações a disporem delas próprias. Mas esta fórmula foi admitida e palavras pelos próprios mencheviques também: o texto do programa continuava a ser comum. Todavia, a questão do poder tinha uma importância decisiva enquanto que os dirigentes temporários do partido revelavam-se absolutamente incapazes de compreender o antagonismo irredutível entre as palavras de ordem bolcheviques na questão nacional como a questão na questão agrária de um lado, e do outro, a manutenção do regime burguês imperialista, mesmo camuflado sob formas democráticas.

A posição democrática teve a sua expressão mais vulgar sob a pluma de Estaline. No 25 de Março, num artigo a propósito do decreto governamental abolindo as restrições dos direitos nacionais, Estaline tentou colocar a questão nacional na sua amplitude histórica. «A base social da opressão nacional – escreveu – a força que a inspira, é a aristocracia terrena em declínio.» Quanto ao facto importante que a opressão nacional tomou um desenvolvimento nunca visto na época do capitalismo e encontrou a sua expressão mais bárbara na política colonial, o autor não parece de forma nenhuma duvidar. «Em Inglaterra – continuou – onde a aristocracia terrena partilha o poder com a burguesia, onde já há muito tempo não existe mais dominação ilimitada desta aristocracia, a opressão nacional é mais suave, menos desumana, mesmo, bem entendido, não se toma em consideração (?) esta circunstância que, no decurso da guerra, quando o poder passou para as mãos dos senhores da terra (!), a opressão nacional reforçou-se consideravelmente (perseguições contra os irlandeses, os Hindus os senhores da terra que, evidentemente, na pessoa de Lloyd George, tomaram o poder, graças à guerra. «... Na Suíça, na América do Norte – continua Estaline – onde onde não há e nunca houve senhores da terra (?), onde o poder pertencia indivisivelmente à burguesia, as nacionalidades desenvolvem-se livremente, não há lugar em geral para a opressão nacional...» O autor esquece completamente a questão dos negros e a questão colonial nos Estados-Unidos.

Desta análise desesperadamente provinciana, que consiste unicamente a estabelecer um vago contraste entre o feudalismo e a democracia, decorrem as conclusões políticas puramente liberais. «Fazer desaparecer da cena política a aristocracia feudal, arrancar-lhe o poder – isso precisamente significa liquidar a opressão nacional, criar as condições de facto necessárias para a libertação nacional. Na medida onde a revolução russa venceu – escreve Estaline – ela já criou essas condições de facto...» Temos aqui, parece, uma apologia da «democracia» imperialista mais nitidamente baseada sobre um princípio que tudo o que foi escrito, sobre esse tema, nesses mesmos dias, pelos mencheviques. Tal como, na política exterior, Estaline, a seguir a Kamenev, esperava, pela divisão do trabalho com o governo provisório, chegar a uma paz democrática, assim, na política interior, ele achava na democracia de príncipe Lvov «as condições de facto» da liberdade nacional.

Na realidade, a queda da monarquia revelava completamente pela primeira vez que não somente os proprietários reaccionários, mas também toda a burguesia liberal e, por detrás dela, toda democracia pequeno-burguesa, com alguns líderes patriotas da classe operária, se mostravam os adversários irredutíveis de uma verdadeira igualdade dos direitos nacionais, isto é a supressão dos privilégios da nação dominante: todo o seu programa se traduzia ao alívio, ao polimento cultural e ao disfarce democrático da dominação gran-russa.

Na Conferência de Abril, defendendo a resolução de Lenine sobre a questão nacional, Estaline parte formalmente desse ponto que «a opressão nacional, é o sistema... são as medidas... que são aplicadas pelos círculos imperialistas», mas ele cai logo inevitavelmente na sua posição de Março. «Mais o país é democrático, mais fraco é a opressão nacional, e inversamente», tal é a conversa abstracta do relator, que lhe é própria e não emprestada de Lenine. O facto que a Inglaterra democrática oprime a Índia feudal com as suas castas, continua a escapar ao seu campo de vista limitado. Diferentemente da Rússia, onde dominava «uma velha aristocracia terrena» - continua Estaline – em Inglaterra e na Áustria-Hungria, a opressão nacional nunca tomou a forma de um progrom.» Como se em Inglaterra nunca existisse aristocracia terrena, ou como se, em Hungria, esta aristocracia não dominasse até hoje! O carácter do desenvolvimento histórico, combinando a «democracia» com o amordaçar das nações fracas, continuava para Estaline um livro fechado a sete chaves.

Que a Rússia se tenha constituído como um Estado de nacionalidades, é o resultado do seu atraso histórico. Mas o atraso é um conceito complexo, inevitavelmente contraditório. Um país atrasado não caminha nos passos de um país avançado mantendo sempre a mesma distância. Na época da economia mundial, as nações atrasadas, inserindo-se sob a pressão das nações avançadas na cadeia geral do desenvolvimento, saltam por cima de um certo número de escalas intermediárias. Ainda mais, a ausência de formas sociais e de tradições estabilizadas faz com que um país atrasado – pelo menos em certos limites é extremamente acessível à última palavra da técnica mundial e do pensamento mundial. Mas o atraso é sempre o atraso. O desenvolvimento no conjunto toma um carácter contraditório e combinado. O que caracteriza a estrutura social de uma nação atrasada, é o predomínio de polos históricos extremos, de camponeses atrasado e de proletários avançados, sobre as formações médias, sobre a burguesia. As tarefas de uma classe caem sobre os ombros de outra. O extermínio dos restos medievais torna-se também, no domínio nacional, o assunto do proletariado.

Nada caracteriza tão claramente o atraso histórico da Rússia, se a considerarmos como um país europeu, isto: no século XX, ela teve que liquidar o aluguel forçado e as zonas de residência dos judeus, isto é a barbárie da servidão e do gueto. Mas, para resolver essas tarefas, a Rússia, precisamente no seguimento do seu desenvolvimento atrasado, possuía novas classes, novos partidos e programas modernos no mais alto grau. Para acabar com as ideias e métodos de Rasputine, a Rússia necessitou das ideias e dos métodos de Marx.

A prática política continuava, na verdade, muito mais primitiva que a teoria, porque as coisas modificam-se mais dificilmente que as ideias. A teoria contudo não estava aí para empurrar até às extremas deduções as necessidades da prática. Para obter a emancipação e um progresso cultural, as nacionalidades oprimidas viam-se forçadas em ligar a sua sorte à da classe operária. E isso era-lhes indispensável de se desembaraçar da direcção dos seus partidos burgueses e pequeno-burgueses, isto é de precipitar a caminhada da sua evolução histórica.

A subordinação dos movimentos nacionais no processo essencial da revolução, à luta do proletariado pelo poder, realiza-se não de uma só vez, mas em várias fases, e diferentemente segundo as diversas regiões do país. Os operários, os camponeses e os soldados ucranianos, russos brancos ou tartares, hostis a Kerensky, à guerra e à russificação, tornavam-se mesmo por aí, apesar da direcção de conciliadores, os aliados da insurreição proletária. Após ter objectivamente apoiado os bolcheviques, eles viram-se forçados, na etapa seguinte, a se comprometer subjectivamente na via do bolchevismo. Em Finlândia, em Letónia, em Estónia, mais fracamente em Ucrânia, a dissociação do movimento nacional toma já em Outubro uma acuidade que só a intervenção das tropas estrangeiras pode impedir o sucesso da insurreição proletária. No Oriente asiático, onde o despertar nacional se realizava nas formas mais primitivas, caía gradualmente, e com um atraso considerável sob a direcção do proletariado, após a conquista do poder por aquele. Se se considerar no seu conjunto o processo complexo e contraditório, a dedução é evidente: a corrente nacional, tal como a corrente agrária, vazava-se no leito da Revolução de Outubro.

A passagem inelutável e irresistível das massas indo dos mais elementares problemas da emancipação política, agrária, nacional, a caminho do proletariado, procedia não a uma agitação «demagógica», nem com esquemas preconcebidos, nem com a teoria da revolução permanente, como pensavam os liberais e os conciliadores, mas a estructura social da Rússia e as circunstâncias da situação mundial. A teoria da revolução permanente formulava somente o processo combinado do desenvolvimento.

Não se tratava aqui somente da Rússia. A subordinação das revoluções nacionais atrasadas à revolução do proletariado tem o seu determinismo sobre o plano mundial. Enquanto que no século XIX a tarefa essencial das guerras e das revoluções consistia ainda em assegurar às forças produtoras um mercado nacional, a tarefa do nosso século consiste em libertar as forças produtoras das fronteira nacionais que se tornaram estorvos para elas. Num sentido histórico largo, as revoluções do Oriente são graus da revolução mundial do proletariado, tal como os movimentos nacionais da Rússia voltaram-se a graus diverso para a ditadura soviética.

Lenine tinha apreciado com notável profundidade a força revolucionária inerente à sorte das nacionalidades oprimidas, tanto na Rússia czarista como no mundo inteiro. A seus olhos não merecia senão desprezo esse «pacifismo» hipócrita que «condena» igualmente a guerra do Japão contra a China para escravizar esta, e a guerra da China contra o Japão para se emancipar. Para Lenine, uma guerra de emancipação, oposta a uma guerra de opressão imperialista, era somente uma outra forma de revolução nacional que, por sua vez, inseria-se como um anel indispensável, na luta emancipadora da classe operária no mundo inteiro.

Desse julgamento sobre as revoluções e as guerras nacionais não decorre de forma nenhuma o reconhecimento de qualquer missão revolucionária da burguesia das nações coloniais e semi-coloniais. Pelo contrário, precisamente, a burguesia dos países atrasados, logo desde da sua tenra idade, desenvolve-se como uma agência do capital estrangeiro e, ainda se ela tenha em relação e este último uma hostilidade ciumenta, encontra-se e encontrar-se-à em todos os casos decisivo unida a ele no mesmo campo. O sistema chinês de compradores é a forma clássica da burguesia colonial, tal como o Komintang é o partido clássico dos compradores. As cimeiras da pequena-burguesia, nesse número os intelectuais, podem tomar parte activa, às vezes ruidosamente, na luta nacional, mas não são de forma nenhuma capazes de desempenhar um papel independente. Só a classe operária, tendo tomado a cabeça da nação, pode levar até ao fim uma revolução nacional ou agrária.

O erro fatal dos epígonos, antes de tudo Estaline, consiste em que a doctrina de Lenine sobre o significado histórico progressista da luta das nações oprimidas, ele concluíram numa missão revolucionária da burguesia dos países coloniais. A incompreensão do carácter permanente da revolução na época imperialista; a esquematização pedantesca do desenvolvimento; a desarticulação do processo vivo combinado em frases mortas separadas inevitavelmente uma da outra no tempo, tudo isso levou Estaline a uma idealização vulgar da democracia, ou então da «ditadura democrática» que, na realidade, pode ser um uma ditadura imperialista, ou uma ditadura do proletariado. De degrau em degrau, o grupo de Estaline veio, por esta via, a romper completamente com a posição de Lenine na questão nacional e a fazer uma política catastrófica em China.

Em Agosto de 1927, na luta contra a oposição (Trotsky, Rakovky e outros), Estaline dizia em plenário do comité central dos bolcheviques: «A revolução nos países imperialistas – é uma coisa: aí, a burguesia... é contra-revolucionária em toas as fases da revolução... A revolução nos países coloniais e submetidos, é outra coisa... Aí, a burguesia nacional, numa certa fase e por um certo tempo, pode apoiar o movimento revolucionário do seus país contra o imperialismo». Com reticências e atenuações que caracterizam somente a sua auto-confiança, Estaline reporta aqui sobre a burguesia colonial os mesmos traços que ele atribuía em Março à burguesia russa. Conformando-se ao seu carácter profundamente orgânico, o oportunismo estalinista, como a acção das leis da gravidade, abre caminho por diversos canais. A escolha dos argumentos teóricos é, nesse caso, uma assunto puramente fortuito.

O julgamento de Março no que diz respeito ao governo provisório reportado sobre o governo «nacional» em China, conduzia a uma colaboração durante três anos de Estaline com o Komintang que constitui um dos factos mais espantosos da história moderna: na qualidade de fiel escudeiro, o bolchevismo dos epígonos acompanhou a burguesia chinesa até ao 11 de Abril de 1927, isto é até à repressão sangrenta que ela exerceu sobre o proletariado de Shangai. «O erro essencial da oposição – dizia Estaline, para justificar a sua fraternidade de armas com Tchang Kaichek – consiste nisto que ele identifica a revolução de 1905 na Rússia, num país imperialista, que oprimiu outros povos, com a revolução em China, num país oprimido...» É surpreendente que o próprio Estaline não tenha tido a ideia de tomar a revolução na Rússia, não do ponto de vista de uma nação «tendo oprimido outros povos», mas do ponto de vista da experiência «dos outros povos» desta mesma Rússia que tinha sofrido uma opressão e não menor que aquela imposta aos chineses.

Sobre o imenso campo de experiências que a Rússia representou no decurso de três revoluções, pode-se encontrar todas as variantes da luta das nacionalidades e das classes, salvo uma: não se viu que a burguesia de uma nação oprimida tenha jogado um papel emancipador em relação do seu próprio povo. Em todas as etapas do seu desenvolvimento, a burguesia da periferia, qualquer que seja a cor com a qual ela se veste, dependia invariavelmente dos bancos centrais, dos trusts, das firmas comerciais, estando em suma a agência do capital de toda a Rússia, se submetendo às suas tendências russificadoras e submetendo a essas tendências mesmo as largas esferas da intelligentsia liberal e democrática. Mais a burguesia da periferia se mostrava «madura», mais ela se encontrava estreitamente ligada ao aparelho geral do Estado. Tomada no seu conjunto, a burguesia das nações oprimidas jogava em relação à burguesia dirigente do mesmo papel de compradores que esta preenchesse em relação ao capital financeiro mundial. A hierarquia complexa das dependências e dos antagonismos não afastava um só dia a solidariedade fundamental na luta contra as massas insurrectas.

No período da contra-revolução (de 1907 a 1917), quando a direcção do movimento nacional concentrada nas mãos da burguesia alógena, esta, mais precisamente ainda que os liberais russos, procura entender-se com a monarquia. Os burgueses polacos, bálticos, tatares, ucranianos, judeus rivalizavam de patriotismo imperialista. Após a insurreição de Fevereiro, eles se esconderam por detrás dos cadetes, ou então, segundo o exemplo dos cadetes, por detrás dos conciliadores nacionais. Na via do separatismo, a burguesia das nações da periferia compromete-se, em outono de 1917, não nas lutas contra a opressão nacional, mas na luta contra a revolução proletária que se aproxima. No total, a burguesia das nações oprimidas mostra tanto hostilidade em relação à revolução como a burguesia gran-russa.

A formidável lição histórica de três revoluções não tinha portanto deixado traços para os numerosos actores dos acontecimentos – sobretudo para Estaline. A concepção conciliadora, isto é a pequena-burguesia, das relações recíprocas das classes no interior das nações coloniais, que perdeu a revolução chinesa de 1925-1927, inscrevia-se nos epígonos mesmo no programa da Internacional comunista, transformando este, nesta parte, uma verdadeira armadilha para os povos oprimidos do Oriente.

Para compreender o verdadeiro carácter da política nacional de Lenine, o melhor é – segundo o método de contrastes – confrontá-la com a política da social-democracia austríaca. Enquanto que o bolchevismo se orienta para um explosão de revoluções nacionais desde de dezenas de anos, educando esta vista os operários avançados, a social-democracia austríaca acomodava-se dócilmente da política de classes falava como advogado da co-habitação forçada de dez na monarquia austro-húngara e, ao mesmo tempo, absolutamente incapaz de realizar a unidade revolucionária dos operários das diferentes nacionalidades, as compartimentava no partido e nos sindicatos no sentido vertical. Karl Renner, funcionário instruído dos Habsburgo, procurava infatigavelmente no tinteiro do austro-marxismo os meios de rejuvenescer o Estado dos Habsburgo, até ao momento quando ele viu o teórico em viuvez da monarquia austro-húngara. Quando os Impérios da Europa central foram batidos, a dinastia dos Habsburgo tentaram ainda erguer, sob o seu ceptro, a bandeira de uma federação de nações autónomas: o programa oficial da social-democracia austríaca, tornou-se por um momento o programa da própria monarquia, coberta de sangue e de lama de quatro anos de guerra.

O círculo de ferro ferrugento que ligava numa só peça dez nações rebentou em bocados. A Áustria-Hungria afundou-se, deslocada pelas tendências centrífugas íntimas que corroborava a cirurgia de Versalhes. Novos Estados se formavam, os antigos se recriavam. Os alemãs da Áustria encontraram-se debruçados sobre o abismo. A questão para eles era não de conservar a sua soberania sobre outras nações, mas evitar o perigo deles próprios caírem sob outro poder. Otto Bauer, representante da ala «esquerda» da social-democracia austríaca, considerou que esse momento era favorável para que se avançasse a fórmula do direito das nacionalidades a disporem de elas próprias. O programa que deveria, durante as dezenas de anos precedentes, inspirar a luta do proletariado contra os Habsburgo e a burguesia dirigente, se encontra transformada num momento de defesa da própria nação que, ainda na véspera, era dominante e que estava ameaçada hoje do lado dos povos eslavos emancipados. Tal como o programa reformista da social-democracia austríaca se tornou um instante a palha que a monarquia náufraga tentou de se agarrar – a fórmula gasta do austro-marxismo devia tornar-se a bóia de salvação da burguesia alemã.

No 3 de Outubro de 1918, quando a questão já não dependia deles, os deputados sociais-democratas do Reichrat «reconheceram» generosamente o direito dos povos do antigo império à independência. No 4 de Outubro, o programa do direito das nações a disporem de elas próprias foi adoptado também pelos partidos burgueses. Tendo ultrapassado assim os imperialistas austro-alemãs por um dia completo, a social-democracia continuava portanto a agarrar-se à expectativa: não se sabia como as coisas se passariam e o que diria Wilson. Foi somente no 13 de Outubro, quando a derrota definitiva das tropas da monarquia criou «a situação revolucionária pela qual – pretendia Bauer – o nosso program nacional tinha sido concebido», foi somente então que os austro-marxistas colocaram praticamente a questão do direito das nações a disporem de elas próprias: na verdade, eles já não tinham nada a perder. «Com o afundamento da sua potência sobre as nações – explica Bauer com toda a franqueza – a burguesia de nacionalidade alemã considerou como terminada a missão histórica em nome da qual ela tinha aceite voluntariamente em se separar da pátria alemã.» O novo programa circulou não porque ele era necessário aos oprimidos, mais porque ele tinha deixado de ser perigoso para os opressores. As classes possuidoras, entaladas numa greta histórica, viram-se obrigados a reconhecer de facto a revolução nacional; o austro-marxismo julgou oportuno de a legalizar teóricamente. É uma revolução madura, oportuna, históricamente preparada: e aliás ela já está realizada! A alma da social-democracia, têmo-la lá diante de nós ao alcance da mão.

Era outra coisa para a revolução social, que não contava de forma nenhuma sobre o reconhecimento das classes possuidoras. Era preciso afastá-la, comprometê-la. Dado que o Império se rasgava naturalmente nas costuras mais fracas, as costuras nacionais, Otto Bauer faz esta dedução sobre o carácter da revolução: «Não foi de forma nenhuma uma revolução social, era uma revolução nacional.» Na realidade, o movimento, desde do princípio, tinha um conteúdo profundamente social-democrata. O carácter «puramente» nacional da revolução não estava mal ilustrado ora esse facto que as classes possuidoras do Áustria propunham abertamente à Entenda prender todo o exército. A burguesia alemã suplicava um general italiano de ocupar Viena com as suas tropas!

Uma dissociação vulgarmente pedantesca da forma nacional e do conteúdo social de um processo revolucionário, considerados como duas pretensas fases históricas independentes – nós vemos como Otto Bauer se aproxima aqui de Estaline! - tinha uma forte destinação utilitária: ela devia justificar a colaboração da social-democracia com a burguesia na luta contra os perigos de uma revolução social.

Se admitirmos, segundo Marx, que a revolução seja uma locomotiva da história, o austro-marxismo deve ter o lugar de travão. Já, após a queda de facto da monarquia, a social-democracia, chamada a participar no poder, não se decidia ainda separar-se dos velhos ministros dos Habsburgo: a revolução «nacional» limitava-se a consolidá-los em lhes juntando os secretários de Estado. Foi somente após o 9 de Novembro, quando a revolução alemã derrubou os Hohenzollern, que a social-democracia austríaca propôs ao Conselho de Estado (Staatrat) proclamar a república, assustando os parceiros burgueses por um movimento de massa que ela própria temia tanto. «Os cristãos-sociais, - disse Otto Bauer com uma ironia imprudente, - que, no 9 e o 19 de Novembro, eram pela monarquia, decidira-se, no 11 de Novembro, deixar de resistir...» Dos dois dias inteiros, a social-democracia tinha ultrapassado o partido dos monárquicos Cem-Negros! Todas as heróicas legendas da humanidade coravam diante de tal discurso revolucionário.

Mesmo assim, a social-democracia, desde do princípio da revolução, se encontra automaticamente à cabeça da nação, como tinha acontecido aos mencheviques e aos socialistas-revolucionários russos. Tal como estes últimos, ela tinha sobretudo medo da sua própria força. No governo de coligação, ela esforçava-se em ocupar o mais pequeno canto possível. Otto Bauer explica-o: «O carácter puramente nacional da revolução respondia em primeiro lugar o facto que os sociais-democratas reclamavam somente uma participação muito modesta no governo. A questão de poder resolveu-se para essa gente não por uma relação de forças, não por uma força do movimento revolucionário, não pela bancarrota das classes dominantes, não pela influência política do partido, mas pela etiqueta pedante de uma «revolução nacional» colada aos acontecimentos por doutos classificadores.

Karl Renner esperou que a tempestade passasse como chefe da chancelaria do Conselho de Estado. Os outro líderes sociais-democratas se transformaram em adjuntos dos ministros burgueses. Por outros termos, os sociais-democratas esconderam-se debaixo das secretárias. As massas, todavia, não consentiam a se alimentar da concha nacional que os austro-marxistas mantinham a multa social para a burguesia. Os operários e os soldados obrigaram os sociais-democratas a sair dos seus esconderijos. O insubstituível teórico Otto Bauer explica: «Foram somente os acontecimentos dos dias seguintes que, empurrando a revolução nacional no sentido de uma revolução social, aumentaram o nosso peso no governo.» Tradução em linguagem clara: sob a pressão das massas, os sociais-democratas viram-se forçados a sair debaixo das mesas.

Mas, não faltava nada à sua vocação, eles tomaram o poder somente para levar a guerra contra o romantismo e o espírito de aventura: sob esses termos figura entre os sicofantes a mesma revolução social que aumentou o seu «peso no governo». Se os austro-marxistas preencheram com sucesso em 1918 a sua missão histórica de anjos da guarda da Kreditanstalt de Viena contra o romantismo revolucionário do proletariado, foi somente porque eles não encontraram obstáculos do lado de um verdadeiro partido revolucionário.

Dois Estados formados de diversas nacionalidades, a Rússia e a Áustria-Hungria, marcaram pelos seus recentes destinos a oposição do bolchevismo e do austro-marxismo. Durante cerca de quinze anos, Lenine proclama, na luta implacável contra todas as nuanças do chauvinismo gran-russo, o direito de todas as nações oprimidas a se destacar do Império dos czares. Acusavam os bolcheviques de querer o desmembramento da Rússia. Ora, uma ousada definição revolucionária da questão nacional criou o inquebrável confiança dos povos oprimidos, pequenos e atrasados, da Rússia czarista para com o partido bolchevique. Em Abril de 1917, Lenine dizia: «Se os ucranianos vêm que nós temos uma república de sovietes, eles não se separarão; mas se nós temos uma república de Miliokov, eles se separarão.» Ainda nesse caso ele tinha razão. A história verificou as duas políticas da questão nacional. Enquanto que a Áustria-Hungria, cujo proletariado foi educado num espírito de hesitações cobardes, caía aos bocados, enquanto que a iniciativa do afundamento era tomada sobretudo pelos elementos nacionais da social-democracia, sobre as ruínas da Rússia czarista criava-se um novo Estado formado de nacionalidades economicamente e politicamente ligadas de uma maneira estreita pelo partido bolchevique.

Qualquer que sejam os destinos ulteriores da União soviética – e ela ainda está longe de acabar – a política nacional de Lenine entrará para sempre no sólido material da humanidade.


Inclusão 21/09/2012
Última alteração 30/07/2016