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De todos esses grandes processos históricos, o mais importante, o mais atual, o mais rico de ensinamentos é, sem dúvida alguma, o processo de Leipzig; de todos esses exemplos de autodefesa revolucionária, o exemplo de Dmitrov.
O processo de Leipzig opôs, ao mesmo tempo, dois mundos, dois sistemas, dois resultados.
Dois mundos: o proletariado libertador e a oligarquia terrorista. O antifascismo e o fascismo. A liberdade contra a escravidão. A paz contra a guerra. O futuro contra o passado.
Em fevereiro de 1933, Hitler e seus asseclas, levados ao poder, havia poucas semanas, ainda não se sentem seguros nele. O capital financeiro não é unânime em jogar neles, só neles, pelo menos, sem reserva nem desconfiança. Colocou ao seu lado homens que representam forças rivais, apetites concorrentes, das facções mais tradicionais; ainda não quisera tentar de uma só feita a grande virada, nem confiar a advocacia a esses demagogos, sem enquadrá-los com seus conservadores experimentados.
No outro campo, dividido e desarmado, no campo do proletariado, subsiste uma força ainda não silenciada, que não se curva, que enfrenta uma vanguarda heróica: o Partido de Thaelmann.
É preciso primeiro e a qualquer preço abater essa força organizada, que constitui um perigo mortal — e o único — para o regime.
E eis porque os dirigentes hitleristas e os grupos de interesses ativos, decisivos, de quem esses velhacos são mercenários, recrutadores de massas, meditam desfechar um grande golpe.
As eleições gerais vão realizar-se dentro de alguns dias; darão milhões de votos ao comunismo; não há tempo a perder.
É preciso quebrar a classe operaria, exterminar seu exército de choque, decapitar seu Partido.
Depois disso, é a hora de apresentar-se como os S. Jorges, vencedores do dragão marxista. Será a hora de impor-se, não apenas à burguesia alemã, mas a todas as burguesias do mundo, como chefes qualificados, indispensáveis, da guerra santa contra o comunismo. E será a hora de desembaraçar-se facilmente de outros concorrentes, dos clãs antagonistas.
A mitologia germânica e wagneriana faz morrerem os velhos deuses, incendiando seu Walhalla.
A mitologia nacional-socialista fará morrerem os velhos partidos e o culto parlamentar, incendiando o Reichstag.
E a culpa do incêndio será lançada aos ombros do único partido revolucionário. Far-se-á com que ele passe por sinal de uma insurreição comunista, a qual só uma ditadura totalitária encontrará forças para fazer abortar.
Esse incêndio será, de fato, um sinal, mas sinal do golpe de força hitlerista, do terror pardo, do saque. A hora II da Besta.
A 27 de fevereiro, pelas 9 horas da noite, o Reichstag está em chamas. O holandês Van der Lubbe é preso em flagrante delito: esse pobre joguete dos provocadores é batizado de comunista.
Sem tardança, desencadeia-se a caça ao homem. As prisões, as casernas, os campos de concentração vão povoar-se de reféns entregues a torturas inomináveis.
A máquina de humilhar o homem, o mecanismo exterminador começa a funcionar.
Em vista disso, no campo heterogêneo em que se trava a luta pelo poder, as relações de forças modificam-se: o fascismo nacional-socialista vai deter todas as posições de comando.
O Partido Comunista Alemão, todavia, obstina-se em permanecer de pé. Apesar do terror e da impostura, cinco milhões de votos pronunciam-se por ele; dez milhões de trabalhadores votam contra Hitler.
Prendem-se seus militantes. Apossam-se do seu chefe amado, Ernst Thaelmann, que é também apóstolo e símbolo vivo da unidade de ação operaria.
Quanto ao incêndio, poderá tanto mais facilmente ser imputado aos comunistas quanto, na noite de 27 de fevereiro, um de seus eleitos, o deputado Torgler, foi visto entre os últimos que deixaram o Parlamento. Torgler, apesar da decisão contraria do Comitê Central do seu Partido, entrega-se à polícia para provar sua inocência. Vai ser armado um grande processo, que mostrará aos camponeses, aos pequenos burgueses, ao mundo inteiro, que os comunistas são incendiários, homens sem escrúpulos. Já era tempo de que Hitler viesse...
Recorreu-se aos técnicos da polícia e do direito, a magistrados alemães, como o famoso juiz Vogt, para que cuidassem do processo, que deve ser o processo do Partido Comunista Alemão.
Eis, porém, que a providência nazi vai tornar possível ampliar ainda mais a operação.
Na bonita tarde de março, num restaurante, um garçomespião faz prender três estrangeiros, três búlgaros: conspiradores comunistas.
A legação búlgara esfrega as mãos: boa presa. Excelente ocasião de desembaraçar a ditadura de Sofia de três militantes perigosos, contra os quais se apressa em fornecer material acusador.
Um deles, sobretudo, é temível: é um velho combatente revolucionário, que nunca deixou de lutar. Dirigente dos sindicatos operários e do Partido Comunista Búlgaro, membro do Comitê Executivo da Internacional Comunista, inimigo terrível do fascismo, do terror branco instituído pelo rei Boris e pelo sinistro Tsankov.
Dmitrov! Um dos chefes da insurreição de setembro de 1923, condenado à morte por contumácia, como consequência desse processo que se abrira pouco depois do atentado provocador da catedral de Santa Nedelia. Coincidência de data, equivoco oportuno para explorar.
Dmitrov é apresentado como um especialista em dinamite e em fogueira, um profissional da explosão e do incêndio.
Em sua pessoa e graças a ele, não é mais o Partido Comunista Alemão, é a própria Internacional Comunista, é o comunismo universal que o hitlerismo poderá desonrar, derrubar, brandindo a cruz gamada, a cruz retorcida da nova cruzada!
Sabe-se como, por Dmitrov, a Internacional Comunista aceitou o desafio, como, em plena cidadela do mundo inimigo, durante um ano, mas, sobretudo, durante três meses de debates públicos, perante o mundo, ela aceitou e moveu o combate; como venceu; como, em seu aço temperado, a besta parda, bêbeda de sangue, senhora do lugar e da hora, quebrou os dentes.
O heroísmo e a força dialética de um homem, de um velho lutador que é um homem novo, e, ao chamado de sua grande voz, a onda irresistível das massas levou a melhor.
As consequências dessa vitória ainda são incalculáveis; o gigante de pés de barro vacilou, a base em que se apoiava restringiu-se. A noite sangrenta de 30 de junho traiu essa fraqueza antes mesmo que Dmitrov, liberto, o tenha proclamado na tribuna do VII Congresso da Internacional Comunista.
Os trabalhadores escravizados do III Reich, todo o povo alemão, todos os povos do mundo assistiram a essa primeira derrota do fascismo. Viram que o fascismo não é invencível e que sua couraça tem falhas. Reconquistaram confiança em sua própria força.
Unidos, pela primeira vez, em tantos anos, para esse chamado heroico, experimentaram e conservaram a lição dessa unidade de ação libertadora.
Puderam, não apenas distinguir os bons dos maus chefes mas a tática justa da falsa, a estrada que conduz à vitória, a liberdade, da que conduz à traição, à escravidão.
A Torgler, opuseram Dmitrov.