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"A capacidade que têm todos os produtos, sejam naturais sejam industriais, de servirem para a subsistência do homem, denomina-se particularmente valor de utilidade; a capacidade que têm de poderem ser dados uns pelos outros, valor em troca... Como o valor de utilidade se torna valor em troca?... A formação da ideia do valor (em troca) não foi considerada pelos economistas com bastante cuidado: é preciso que nos detenhamos nesse ponto. Tendo-se em vista que entre os objetos de que necessito, um número muito grande não se encontra na natureza senão em quantidade medíocre, podendo ser mesmo inexistente, sou obrigado a auxiliar a produção daquilo que me falta, e como não me é possível cuidar de tanta coisa, eu proporei a outros homens, meus colaboradores em funções diversas, que me cedam uma parte de seus produtos em troca do meu" (Proudhon, t. l.°, cap. II).
O sr. Proudhon propõe-se a nos explicar, antes de tudo, a dupla natureza do valor, "a distinção no valor", o movimento que torna o valor de utilidade em valor de troca. É preciso que nos detenhamos, com o sr. Proudhon, neste ato de transubstanciação. Eis como este se cumpre segundo nosso autor.
Um número muito grande de produtos não é encontrado na natureza: resultam da atividade industrial. Suponhamos que as necessidades ultrapassem a produção espontânea da natureza, e vemos que o homem é obrigado a recorrer à produção industrial. Que é esta indústria na suposição do sr. Proudhon? Qual a sua origem? Um homem só, sentindo a necessidade de um número muito grande de coisas "não pode cuidar de tanta coisa". Tantas necessidades a satisfazer supõem outras tantas coisas a produzir — não há produtos sem produção; e tantas coisas a produzir já não fazem supor as mãos de um único homem para a sua produção. Ora, ao supormos mais de um homem cuidando da produção, já estamos supondo toda uma produção baseada na divisão do trabalho. Assim a necessidade, tal como o sr. Proudhon a supõe, supõe ela mesma toda a divisão do trabalho. E supondo a divisão do trabalho, temos a troca e, consequentemente, o valor de troca. Tanto teria valido supor em primeiro lugar o valor de troca.
Mas o sr. Proudhon achou preferível contornar a questão. Acompanhemo-lo em todas as suas voltas, para retornar sempre ao.ponto de partida.
Para sair do estado de coisas em que cada um produz solitariamente, e para chegar à troca, "eu me dirijo", diz o sr. Proudhon, "a meus colaboradores em suas diversas funções". Tenho, assim, colaboradores, todos eles com funções diversas, sem que por isso eu e todos os outros, sempre de acordo com a suposição do sr. Proudhon, tenhamos saído da posição solitária e pouco social dos Robinson. Os colaboradores e as funções diversas, a divisão do trabalho e a troca que ela indica, tudo foi encontrado.
Resumamos: tenho necessidades fundadas na divisão do trabalho e na troca. Supondo estas necessidades o sr. Proudhon supõe também a troca, o valor de troca, do qual ele se propõe precisamente fazer "notar a formação com maior cuidado do que os outros economistas".
O sr. Proudhon bem poderia ter invertido a ordem das cousas sem prejudicar com isso a justeza de suas conclusões. Para explicar o valor de troca, precisa-se da troca. Para explicar a troca, precisa-se da divisão do trabalho. Para explicar a divisão do trabalho, precisa-se das necessidades que requerem a divisão do trabalho. Para explicar estas necessidades, é preciso supô-las, o que não quer dizer negá-las, contrariamente ao primeiro axioma do prólogo do sr. Proudhon:
"Supor Deus é negá-lo" (Prólogo, pág. 1).
Como o sr. Proudhon, para quem a divisão do trabalho é tida como conhecida, se arranjará para explicar o valor de troca, que para ele é sempre o desconhecido?
"Um homem" vai "propor a outros homens, seus colaboradores em funções diversas, que se estabeleça a troca e se faça uma distinção entre o valor de uso e o valor de troca".
Aceitando a distinção proposta, os colaboradores não deixam ao sr. Proudhon outro "cuidado" senão o de consignar o fato, de registrar, de "anotar" em seu Traité d’Économie politique "a geração da ideia de valor". Mas ele continua a nos dever a explicação da "geração" desta proposta, ele tem de nos dizer, enfim, como este homem sozinho, este Robinson, teve repentinamente a ideia de fazer "aos seus colaboradores" uma proposta do gênero conhecido, e como estes colaboradores a aceitaram sem nenhum protesto.
O sr. Proudhon não entra nestes pormenores genealógicos. Ele dá simplesmente ao fato da troca uma espécie de cunho histórico ao apresentá-la sob a forma de uma proposta feita por um terceiro visando estabelecer a troca.
Eis uma amostra do "método histórico e descritivo" do sr. Proudhon, que manifesta um altivo desdém pelo "método histórico e descritivo" dos Adam Smith e dos Ricardo.
A troca tem a sua própria história. Ela passou por diferentes fases. Houve época, como na Idade Média, em que não se trocava senão o supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo.
Houve outras épocas em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos, toda a existência industrial se baseava no comércio, em que a produção inteira dependia da troca. Como explicar esta segunda fase da troca — o valor venal na sua segunda potência?
O sr. Proudhon teria uma resposta já pronta: admitamos que um homem tenha "proposto a outros homens, seus colaboradores em funções diversas", elevar o valor venal à sua segunda potência.
Chegou, enfim, a época em que tudo aquilo que os homens tinham considerado como inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, e podia ser alienado. É a época em que as próprias cousas que até então eram transmitidas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; ganhas, mas jamais compradas — virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. — tudo passou enfim para o comércio. É a época da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, a época em que todas as cousas, morais ou físicas, tornando-se valores venais, são levadas ao mercado para serem apreciadas pelo seu mais justo valor.
Como explicar ainda esta nova e última fase da troca — o valor venal em sua terceira potência?
O sr. Proudhon teria uma resposta já pronta: admitamos que uma pessoa tenha "proposto a outras pessoas, seus colaboradores em diversas funções, fazer da virtude, do amor, etc., um valor venal, elevar o valor de troca à sua terceira e última potência".
Como se vê, o "método histórico e descritivo" do sr. Proudhon serve para tudo, responde a tudo, explica tudo. Quando se trata sobretudo de explicar historicamente "a geração de uma ideia econômica", ele supõe um homem que propõe a outros homens, seus colaboradores em diversas funções, levar a efeito este ato de geração, e tudo está dito.
Daqui por diante aceitamos a "geração" do valor de troca como um fato acabado; não resta agora senão expor a relação entre o valor de troca e o valor de utilidade. Ouçamos o sr. Proudhon:
"Os economistas fizeram ressaltar muito bem o duplo caráter do valor; mas aquilo que não apresentaram com a mesma nitidez é a sua natureza contraditória; aqui começa a nossa crítica... E pouca cousa ter assinalado no valor útil e no valor permutável este surpreendente contraste, no qual os economistas não estão acostumados a ver senão uma cousa das mais simples: é preciso mostrar que esta pretensa simplicidade oculta um mistério profundo que temos o dever de penetrar... Em termos técnicos, o valor útil e o valor permutável estão em razão inversa um do outro".
Se apanhamos bem o pensamento do sr. Proudhon, eis os quatro pontos que ele pretende estabelecer:
Nós também começaremos pelo fim, e para defender os economistas das acusações do sr. Proudhon, daremos a palavra a dois economistas muito importantes.
Sismondi: "É a oposição entre o valor de uso e o valor de troca a que o comércio reduz todas as cousas, etc." (Estudos, tomo II, pág. 162, edição de Bruxelas).
Lauderdale: "Em geral, a riqueza nacional (o valor útil) diminui à proporção que as fortunas individuais se avolumam pelo aumento do valor venal; e à medida que estas se reduzem peia diminuição deste valor, a primeira aumenta de um modo geral." (Pesquisas sobre a natureza e a origem da riqueza pública tradução de Largentil de Lavaise, Paris, 1808).
Sismondi baseou na oposição entre o valor de uso e o valor de troca sua principal doutrina, segundo a qual a diminuição da renda é proporcional ao crescimento da população.
Lauderdale baseou seu sistema na razão inversa das duas espécies de valor, e sua doutrina era mesmo de tal modo popular no tempo de Ricardo, que este era levado a falar dela como de uma cousa geralmente conhecida.
"Foi confundindo as ideias de valor venal e das riquezas (valor útil) que se pretendeu que, diminuindo a quantidade das cousas necessárias, úteis ou agradáveis à vida, era possível aumentar as riquezas." (Ricardo, Príncipes d’économie politique, tradução de Constâncio, anotada por J. B. Say. Paris, 1835. Tomo II, capítulo Sobre o valor e as riquezas).
Acabamos de ver que os economistas, antes do sr. Proudhon, "assinalaram" o mistério profundo de oposição e contradição. Vejamos, agora como o sr. Proudhon explica, por sua vez, este mistério, depois de se terem manifestado os economistas.
O valor de troca de um produto baixa à medida que a oferta vai crescendo, a procura permanecendo a mesma. Em outros termos: quanto mais abundante for um produto relativamente à procura, tanto mais o seu valor de troca ou seu preço será baixo. Vice-versa: quanto mais fraca for a oferta em relação à procura, mais alto será o valor de troca ou o preço do produto. Em outros termos: quanto maior for a raridade dos produtos oferecidos em relação à procura, maior será a elevação dos preços. O valor de troca de um produto depende de sua abundância ou de sua escassez, mas sempre em relação à sua procura. Suponhamos um produto mais do que raro, único em seu gênero: este produto único será mais do que abundante, será supérfluo, se não for procurado. Suponhamos, ao contrário, um produto que exista aos milhões: ele será sempre escasso, se não bastar à procura, isto é, se for muito procurado.
Trata-se de verdades quase banais, poderíamos dizê-lo, e, no entanto, foi preciso reproduzi-las aqui para fazer com que os mistérios do sr. Proudhon fossem compreendidos.
"De tal modo que, seguindo o princípio até às últimas consequências chegaríamos da maneira mais lógica do mundo, à conclusão de que as cousas cujo uso é necessário e a quantidade infinita nada deveriam custar e aquelas cuja utilidade é nula e a raridade extrema deveriam ter um preço inestimável. Para cúmulo do embaraço, a prática não admite estes extremos: de um lado, nenhum produto humano poderia jamais alcançar o infinito em grandeza; de outro lado, as cousas mais raras necessitam, num grau qualquer, de ser úteis, sem o que elas não seriam suscetíveis de qualquer valor. O valor útil e o valor permutável permanecem, pois, fatalmente, presos um ao outro, se bem que, por sua natureza, tendem continuamente a se excluir"(Tomo I, pág. 39).
Que é que leva ao cúmulo o embaraço do sr. Proudhon? É que ele se esqueceu simplesmente da procura e de que uma cousa não poderia ser rara ou abundante senão na medida em que é procurada. Uma vez posta de lado a procura, ele assimila o valor permutável à raridade e o valor útil à abundância. Efetivamente, dizendo que as cousas "cuja utilidade é nula e a raridade extrema são de preço inestimável", ele diz apenas que o valor em troca não é senão a raridade. "Raridade extrema e utilidade nula", é a raridade pura. "Preço inestimável" é o máximo de valor permutável, é o valor permutável em sua pureza. Estes dois termos, ele os põe em equação. Assim, valor permutável e raridade são termos equivalentes. Chegando a estas pretensas "consequências extremas", o sr. Proudhon levou ao extremo, com efeito, não as cousas mas os termos que as exprimem, e com isso faz mais uma demonstração de retórica do que de lógica. Ele encontra as suas primeiras hipóteses em toda a sua nudez, quando pensa ter encontrado novas consequências. Graças ao mesmo modo de proceder, consegue identificar o valor útil com a abundância pura.
Depois de ter posto em equação o valor permutável e a raridade, o valor útil e a abundância, o sr. Proudhon fica todo espantado por não encontrar nem o valor útil na raridade e no valor permutável, nem o valor permutável na abundância e no valor útil; e vendo que a prática não admite estes extremos, ele não pode fazer outra cousa senão acreditar no mistério. Existe para ele preço inestimável, porque não existem compradores, e ele não os encontrará jamais, enquanto fizer abstração da procura.
De outro lado, a abundância do sr. Proudhon parece ser qualquer cousa de espontâneo. Ele se esquece inteiramente de que há pessoas que a produzem e que é do interesse dessas pessoas jamais perderem de vista a procura. De outro modo, como o sr. Proudhon teria podido dizer que as cousas que são muito úteis devem ter preços muitos baixos e mesmo não custar nada? Ele deveria ter concluído, ao contrário, que é preciso restringir a abundância, a produção das cousas muito úteis, se se quiser elevar os preços das mesmas, o valor de troca.
Os antigos vinhateiros da França, ao solicitarem uma lei que proibisse a plantação de novas vinhas, os holandeses, ao queimarem as especiarias da Ásia e ao arrancarem as cravoarias nas Molucas — queriam somente reduzir a abundância para elevar o valor de troca. Em toda a Idade Média, quando se limitava por leis o número de companheiros que um mestre podia empregar ou o número de instrumentos que podia utilizar, agia-se segundo este mesmo princípio (Ver Anderson, História do Comércio).
Depois de ter apresentado a abundância como valor útil, e a raridade como valor de troca — nada mais fácil do que demonstrar que a abundância e a raridade estão em razão inversa — o sr. Proudhon identifica o valor de utilidade com oferta e o valor de troca com procura. Para tornar a antítese ainda mais explícita, ele faz uma substituição de termos pondo "valor de opinião" no lugar de valor permutável. Vemos assim que a luta mudou de terreno, e temos de um lado a utilidade (o valor em uso, a oferta), de outro a opinião (o valor permutável, a procura).
Estas duas potências opostas uma à outra, quem as conciliará? Como fazer para pô-las de acordo? Seria simplesmente possível estabelecer entre elas um ponto de comparação?
"Certamente, exclama o sr. Proudhon, existe um: é o arbítrio. O preço que resultará desta luta entre a oferta e a procura, entre a utilidade e a opinião, não será a expressão da justiça eterna."
O sr. Proudhon continua a desenvolver esta antítese:
"Na minha qualidade de comprador livre, sou juiz da minha necessidade, juiz da conveniência do objeto, juiz do preço que quero atribuir-lhe. De outro lado, em vossa qualidade de produtor livre, sois senhor dos meios de execução, e, por conseguinte, tendes a faculdade de reduzir vossas despesas." (Tomo I, pág. 42.)
E como a procura ou o valor em troca é idêntico à opinião, o sr. Proudhon é levado a dizer:
"Está provado que é o livre arbítrio do homem que dá lugar à oposição entre o valor útil e o valor em troca. Como resolver esta oposição enquanto subsistir o livre arbítrio? E como sacrificar este, a não ser com sacrifício do homem?" (Tomo I, pág. 51).
Não há, assim, resultado possível. Há uma luta entre duas potências por assim dizer incomensuráveis, entre o útil e a opinião, entre o comprador livre e o produtor livre.
Vejamos as cousas mais de perto.
A oferta não representa exclusivamente a utilidade, a procura não representa exclusivamente a opinião. Aquele que procura não oferece também ele um produto qualquer, ou o sinal representativo de todos os produtos, o dinheiro, e, oferecendo-o, não representa ele, segundo o sr. Proudhon, a utilidade ou o valor de uso?
De outro lado, aquele que oferece não procura também um produto qualquer, ou o sinal representativo de todos os produtos? E não se torna ele assim o representante da opinião, do valor de opinião ou do valor em troca?
A procura é ao mesmo tempo uma oferta, a oferta é ao mesmo tempo uma procura. Assim, a antítese do sr. Proudhon, identificando simplesmente a oferta e a procura, uma com a utilidade, outra com a opinião, repousa apenas numa abstração fútil.
Aquilo que o sr. Proudhon chama valor útil, outros economistas chamam com a mesma razão valor de opinião. Não citaremos senão Storch (Cours d’Économie politique, Paris, 1823, págs. 88 e 89).
Segundo ele, chamam-se necessidades as coisas de que sentimos necessidade; chamam-se valores as cousas às quais atribuímos valor. A maior parte das cousas só têm valor porque satisfazem as necessidades engendradas pela opinião. A opinião sobre nossas necessidades pode mudar, e assim a utilidade das cousas que não exprimem senão uma relação entre essas cousas e nossas necessidades também pode mudar. As próprias necessidades naturais mudam continuamente. Que variedade existe, com efeito, nos objetos que servem de alimentação principal para os diferentes povos!
A luta não se estabelece entre a utilidade e a opinião: ela se estabelece entre o valor venal que aquele que oferece procura, e o valor venal que aquele que procura oferece. O valor de troca do produto é de cada vez a resultante destas apreciações contraditórias.
Em última análise, a oferta e a procura põem em presença a produção e o consumo, mas a produção e o consumo fundados nas trocas individuais.
O produto que se oferece não é o útil em si mesmo. É o consumidor que sente a sua utilidade. E mesmo quando se lhe reconhece a qualidade de ser útil, ele não é exclusivamente o útil. No curso da produção, ele foi trocado por todas as despesas de produção, tais como as matérias-primas, os salários dos operários, etc., cousas, todas elas, valores venais. O produto representa assim, aos olhos do produtor, uma soma de valores venais. Aquilo que ele oferece, não é somente um objeto útil, mas também e sobretudo um valor venal.
Quanto à procura, ela não será efetiva senão com a condição de ter à sua disposição meios de troca. Estes meios são também eles produtos, valores venais.
Na oferta e na procura encontramos, pois, de um lado, um produto que custou valores venais, e a necessidade de vender; de outro, meios que custaram valores venais, e o desejo de comprar.
O sr. Proudhon opõe o comprador livre ao produtor livre. Ele atribui a um e a outro qualidades puramente metafísicas. É o que o faz dizer:
"Está provado que é o livre arbítrio do homem que dá lugar à oposição entre o valor útil e o valor de troca".
O produtor, desde que produziu numa sociedade fundada na divisão do trabalho e na troca, e essa é a hipótese do sr. Proudhon, é forçado a vender. O sr. Proudhon torna o produtor senhor dos meios de produção; mas convirá conosco que não é do livre arbítrio que dependem seus meios de produção. Há mais: estes meios de produção são em grande parte produtos que lhe vêm de fora, e na produção moderna ele não é mesmo livre para produzir a quantidade que quiser. O grau atual do desenvolvimento das forças produtivas o obriga a produzir nesta ou naquela escala.
O consumidor não é mais livre do que o produtor. Sua opinião repousa nos seus meios e suas necessidades, que são determinados pela sua situação social; esta depende por sua vez da organização social em seu conjunto. Sim, o operário que compra batatas, e a mulher mantida por outrem que compra peças de renda seguem ambos sua opinião respectiva. Mas a diversidade de suas opiniões explica-se pela diferença da posição que ocupam no mundo, a qual é produto da organização social.
O sistema das necessidades é todo ele fundado na opinião ou na organização inteira da produção? As necessidades nascem com maior frequência, diretamente da produção, ou de um estado de cousas baseado na produção. O comércio do universo gira quase que inteiramente sobre necessidades, não do consumo individual, mas da produção. Assim, para citar outro exemplo, a necessidade que existe de notários não supõe um dado direito civil, que não é senão a expressão de um certo desenvolvimento da propriedade, isto é, da produção?
Não basta ao sr. Proudhon haver eliminado da relação entre a oferta e a procura os elementos de que acabamos de falar. Ele leva a abstração aos limites extremos, fundindo todos os produtores num só produtor, todos os consumidores num só consumidor, estabelecendo a luta entre estas duas personagens quiméricas. Mas no mundo real as cousas se passam de outro modo. A concorrência entre os que oferecem e a concorrência entre os que procuram, formam um elemento necessário da luta entre os compradores e os vendedores, de onde resulta o valor venal.
Depois de ter eliminado as despesas de produção e a concorrência, o sr. Proudhon pode, muito à vontade, reduzir ao absurdo a fórmula da oferta e da procura.
"A oferta e a procura, diz ele, não são outra coisa senão duas formas cerimoniais que servem para pôr em presença o valor de utilidade e o valor de troca e para provocar a sua conciliação. São os polos elétricos que entrando em ligação devem produzir o fenômeno de afinidade denominado troca" (Tomo I, págs. 49 e 50).
Poder-se-ia do mesmo modo dizer que a troca não é senão uma "forma cerimonial", para pôr em presença o consumidor e o objeto do consumo; poder-se-ia do mesmo modo dizer que todas as relações econômicas são "formas cerimoniais", para servirem de intermediárias. A oferta e a procura são relações de uma produção dada, nem mais nem menos do que as trocas individuais.
Em que consiste, pois, a dialética do sr. Proudhon? Em substituir o valor útil e o valor permutável, a oferta e a procura por noções abstratas e contraditórias, tais como a escassez e a abundância, o útil e a opinião, um produtor e um consumidor, ambos cavaleiros do livre arbítrio.
E aonde queria ele chegar?
Queria preparar o meio de introduzir mais tarde um dos elementos que havia afastado, as despesas de produção, como a síntese entre o valor útil e o valor permutável. É assim que para ele as despesas de produção constituem o valor sintético ou o valor constituído.
Inclusão | 02/02/2012 |