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"Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, pelo contrário, seu ser social é que determina sua consciência.'' Karl Marx
Já travamos conhecimento com o método dialético...
Que é a teoria materialista?
Tudo muda no mundo, tudo se desenvolve na vida, porém como ocorre essa mudança e de que forma se realiza esse desenvolvimento?
Sabemos, por exemplo, que há tempos a terra representava uma massa ígnea incandescente, depois foi se esfriando paulatinamente, que mais tarde originaram-se os vegetais e animais, que ao desenvolvimento do mundo animal seguiu-se a aparição de uma determinada espécie de macacos, e, depois de tudo isso, surgiu o homem.
Ocorreu, assim, em linhas gerais, o desenvolvimento da natureza.
Ademais, sabemos que tampouco a vida social permaneceu fixa em um ponto. Houve tempo em que os homens viveram na base dos princípios comunistas primitivos; naquele tempo obtinham, seu sustento de uma caça primitiva, erravam pelos bosques e conseguiam, assim, seu alimento. Surgiu uma época em que o comunismo primitivo foi substituído pelo matriarcado; então os homens satisfaziam a suas necessidades principalmente por meio de uma agricultura primitiva. Depois, o matriarcado foi substituído pelo patriarcado, quando os homens obtinham sua subsistência principalmente com a criação de gado. Mais tarde, o patriarcado foi substituído pelo regime escravista: então os homens obtinham sua subsistência de uma agricultura relativamente mais desenvolvida. Ao regime escravista seguiu-se o feudalismo, e, posteriormente a tudo isso, o regime burguês.
Ocorreu, assim, em linhas gerais, o desenvolvimento da vida social.
Sim, tudo isso é coisa sabida... Mas, como se produziu esse desenvolvimento? Foi a consciência que deu origem ao desenvolvimento da "natureza" e da "sociedade", ou, pelo contrário, foi o desenvolvimento da "natureza" e da "sociedade" que originou o desenvolvimento da consciência?
Eis aí como a teoria materialista apresenta a questão.
Alguns dizem que a idéia universal precedeu à "natureza" e à "vida social" e mais tarde serviu de base ao desenvolvimento destas, de maneira que o desenvolvimento dos fenômenos da "natureza" e da "vida social" é, por assim dizer, a forma exterior, a simples expressão do desenvolvimento da idéia universal.
Tal era, por exemplo, a doutrina dos idealistas, que com o tempo se dividiram em várias correntes.
Outros, ao invés, dizem que desde o princípio existem no mundo duas forças que se negam mutuamente: a idéia e a matéria, a consciência e o ser e que, em consonância com isto, os fenômenos se dividem também em duas séries, ideal uma e material a outra, que se negam reciprocamente e lutam entre si, de modo que o desenvolvimento da natureza e da sociedade representa uma luta contínua entre os fenômenos ideais e os materiais.
Tal era, por exemplo, a doutrina dos dualistas, que, com o tempo, à semelhança dos idealistas, se dividiram em várias correntes.
A teoria materialista rejeita inteiramente tanto o dualismo como o idealismo.
Naturalmente, no mundo existem fenômenos ideais e materiais, mas isso não quer dizer de modo algum que se neguem entre si. Pelo contrário, o aspecto ideal e o aspecto material são duas formas diferentes de uma única e mesma natureza ou sociedade, não se pode imaginar uma forma sem a outra, existem juntas, desenvolvem-se juntas e, por conseguinte, não temos nenhum fundamento para acreditar que se neguem mutuamente.
Desse modo, o chamado dualismo revela-se inconsistente.
Uma natureza, una e indivisível, expressa em duas formas distintas: na material e na ideal; uma vida social, una e indivisível, expressa em duas formas distintas: na material e na ideal; eis como devemos considerar o desenvolvimento da natureza e da vida social.
Tal é o monismo da teoria materialista.
Ao mesmo tempo, a teoria materialista nega, também, o idealismo.
É falsa a concepção segundo a qual o aspecto ideal, e, em geral, a consciência, precede em seu desenvolvimento ao desenvolvimento do aspecto material. Quando não havia ainda seres vivos, já existia a chamada, natureza exterior, "não viva". O primeiro ser vivo não possuía consciência alguma, possuía somente a propriedade da irritabilidade e os primeiros rudimentos da sensação. Depois se foi desenvolvendo, gradativamente, nos animais, a capacidade da sensação, passando lentamente a ser consciência, em consonância com o desenvolvimento da estrutura de seu organismo e do sistema nervoso. Se o macaco tivesse andado sempre de quatro pés, se não tivesse erguido a espinha, seu descendente, o homem, não teria podido servir-se com desenvoltura de seus pulmões e cordas vocais e, portanto, não teria podido servir-se da linguagem, o que teria impedido, inteiramente, o desenvolvimento de sua consciência. Ou ainda: se o macaco não se tivesse colocado em posição vertical sobre as pernas traseiras, seu descendente, o homem, teria sido obrigado a andar sempre de quatro pés, a olhar para baixo, e de baixo receber suas impressões; não teria tido a possibilidade de olhar para cima e em torno de si, e, conseqüentemente, não teria tido a possibilidade de proporcionar a seu cérebro mais impressões que as que possui um quadrúpede. Tudo isso teria impedido de modo decisivo o desenvolvimento da consciência humana.
Segue-se daí que, para o desenvolvimento da consciência, é necessária uma certa estrutura do organismo e um certo desenvolvimento de seu sistema nervoso.
Segue-se daí que ao desenvolvimento do aspecto ideal, ao desenvolvimento da consciência, precede o desenvolvimento do aspecto material, o desenvolvimento das condições exteriores: primeiramente mudam as condições exteriores, primeiramente muda o aspecto material, e depois mudam, de modo correspondente, a consciência, o aspecto ideal.
Assim, pois, a história do desenvolvimento da natureza solapa pela base o chamado idealismo.
O mesmo cabe dizer da história do desenvolvimento da sociedade humana.
A história mostra que se em diferentes épocas os homens estiveram imbuídos de diferentes idéias e desejos, a causa disso é que, nas diferentes épocas, os homens lutaram de modo distinto com a natureza para satisfação de suas necessidades, e, em consonância com isso, configuravam-se de modo distinto suas relações econômicas. Houve um tempo em que os homens lutavam contra a natureza em comum, sobre a base dos princípios comunistas primitivos; então sua propriedade era do mesmo modo comunista, e por isso naquele tempo quase não distinguiam o meu do teu, sua consciência era comunista. Chegou uma época em que na produção penetrou a distinção do meu e do teu: naquele tempo, a propriedade tomou também um caráter privado, individualista, e por isso a consciência dos homens foi imbuída do sentimento da propriedade privada. Chega uma época, a época atual, em que a produção de novo se reveste de caráter social, e, por conseguinte, também a propriedade tomará breve um caráter social, e, precisamente por isso, a consciência dos homens se imbui, paulatinamente, de socialismo.
Um exemplo simples: figuremos um sapateiro, que possuiu uma pequena oficina, mas não resistiu à concorrência dos grandes produtores, fechou sua oficina e se pôs a trabalhar como operário, suponhamos, na fábrica de calçados de Adelkhanov, em Tíflis. Entrou na fábrica de Adelkhanov, mas não para converter-se em um operário assalariado permanente, porém com o fim de economizar algum dinheiro, reunir um capitalzinho e depois abrir de novo sua oficina. Como se vê, a situação desse sapateiro já é proletária, mas sua consciência ainda não é proletária, e sim profundamente pequeno-burguesa. Dito em outros termos, a situação pequeno-burguesa desse sapateiro já desapareceu, não existe mais, mas sua consciência pequeno-burguesa ainda não desapareceu, atrasou-se com relação à sua situação real.
É evidente que também aqui, na vida social, primeiramente mudam as condições externas, primeiramente muda a situação dos homens, e depois muda de modo correspondente sua consciência.
Mas voltemos ao nosso sapateiro. Como já sabemos, propõe-se a economizar e depois abrir sua oficina. O sapateiro proletarizado trabalha e vê que juntar dinheiro é uma coisa muito difícil, já que o salário apenas lhe chega para sua manutenção. Além disso, observa que já não é tão sugestiva a abertura de uma oficina particular: o pagamento do aluguel de uma loja, os caprichos dos fregueses, a falta de dinheiro, a concorrência dos grandes produtores e outras preocupações do mesmo jaez, eis aí as numerosas aflições que atormentam o artesão estabelecido por conta própria. Em troca, o proletário está relativamente mais livre de tais aflições, não o inquietam nem o freguês nem o aluguel da loja, chega pela manhã à fábrica, sai à noite "muito tranqüilo" e, com a mesma tranqüilidade, aos sábados mete a "paga" no bolso. Isso, precisamente, faz com que, pela primeira vez, se aparem as asas aos sonhos pequeno-burgueses de nosso sapateiro; isso faz com que, pela primeira vez, apareçam também em seu espírito aspirações proletárias.
Passa o tempo, e nosso sapateiro vê que o dinheiro não é suficiente para o indispensável, que lhe é absolutamente necessário um aumento de salário. Ao mesmo tempo, observa que seus camaradas falam de certos sindicatos e greves. Isso, precisamente, faz com que nosso sapateiro tome a consciência de que, para melhorar sua situação, é necessário lutar contra os patrões e não abrir uma oficina própria. Entra no sindicato, incorpora-se ao movimento grevista e em breve adere às idéias socialistas...
Assim, pois, à mudança da situação material do sapateiro, segue-se, afinal de contas, a mudança de sua consciência: em primeiro lugar mudou sua situação material, e, depois, decorrido certo tempo, mudou também de modo correspondente sua consciência.
O mesmo deve dizer-se das classes e da sociedade em seu conjunto.
Na vida social mudam também, primeiro, as condições externas, mudam primeiro as condições materiais, e depois, em consonância com isso, mudam também o modo de pensar dos homens, seus usos e costumes, sua concepção do mundo.
Por isso diz Marx:
"Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, pelo contrário, seu ser social é que determina sua consciência".
Se ao aspecto material, às condições exteriores, ao ser e a outros fenômenos semelhantes, chamamos conteúdo, ao aspecto ideal, à consciência e a outros fenômenos semelhantes, podemos chamar forma. Daí surgiu a conhecida tese materialista: no processo do desenvolvimento, o conteúdo precede à forma, a forma se atrasa com respeito ao conteúdo.
E uma vez que, na opinião de Marx, o desenvolvimento econômico é a "base material" da vida social, seu conteúdo, e o desenvolvimento político-jurídico e filosófico-religioso é a "forma ideológica" desse conteúdo, sua "superestrutura", Marx tira esta conclusão:
"Ao mudar a base econômica, revoluciona-se mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela''.
Naturalmente, isso não significa de modo algum que, na opinião de Marx, seja possível o conteúdo sem a forma, como o imaginou Ch. G. (vide Nobati, nº 1 Crítica do monismo). O conteúdo sem forma é impossível; trata-se, porém, de que tal ou qual forma, por seu atraso com relação ao conteúdo, não corresponde nunca plenamente a esse conteúdo, e, portanto, o novo conteúdo "vê-se obrigado" temporariamente a revestir a velha forma, o que origina um conflito entre ambos. No presente, por exemplo, o conteúdo social da produção não corresponde à forma de apropriação dos produtos, forma que possui um caráter privado, e é precisamente sobre esse terreno que se produz o "conflito" social contemporâneo.
Por outro lado, a idéia de que a consciência é a forma do ser, não quer dizer de modo algum que a consciência seja, por natureza, a própria matéria. Assim pensavam somente os materialistas vulgares (por exemplo: Büchner e Moleschott), cujas teorias estão em contradição radical com o materialismo de Marx, e aos quais Engels, com justeza, pôs em ridículo em seu Ludwig Feuerbach. Segundo o materialismo de Marx, a consciência e o ser, a idéia e a matéria são duas formas distintas de um mesmo fenómeno que se chama, falando em termos gerais, natureza ou sociedade. Portanto, não se negam mutuamente(1) e ao mesmo tempo não representam tampouco um só e mesmo fenômeno. Trata-se unicamente de que, no desenvolvimento da natureza e da sociedade, à consciência, isto é, ao que se produz em nossa cabeça, precede uma correspondente mudança material, isto é, o que se produz fora de nós; após esta ou outra mudança material, cedo ou tarde segue-se inevitavelmente a correspondente mudança ideal.
Muito bem, dir-se-á, talvez seja isso justo em relação à história da natureza e da sociedade. Mas de que modo se engendram em nossa cabeça no momento presente as diferentes representações e idéias? Existem na realidade as chamadas condições exteriores, ou existem tão somente nossas representações sobre essas condições exteriores? E se existem as condições exteriores, em que medida é possível percebê-las e conhecê-las?
A esse respeito, a teoria materialista afirma que nossas representações, nosso "eu" existe tão só na medida em que existem as condições exteriores, que despertam impressões em nosso "eu". Quem irrefletidamente diga que não existe nada mais que nossas representações, vê-se na necessidade de negar toda espécie de condições exteriores e, portanto, de negar a existência dos demais homens, admitindo tão somente a existência de seu "eu", o que é absurdo e contradiz pela raiz as bases da ciência.
É claro que existem realmente as condições exteriores; essas condições existiam anteriormente a nós e existirão depois de nós, pelo que é tanto mais fácil percebê-las, quanto mais frequentemente e com maior força atuem sobre nossa consciência.
No que se refere ao modo como se engendram no momento presente em nossa cabeça as diferentes representações e idéias, devemos observar que aqui se repete em forma resumida o que ocorre na história da natureza e da sociedade. Também nesse caso o objeto que se encontra fora de nós precedeu à nossa representação desse objeto; também nesse caso nossa representação, a forma, se atrasa com respeito ao objeto, com respeito ao seu conteúdo. Se olho uma árvore e a vejo, isso quer dizer somente que já antes de que em minha cabeça haja nascido a representação da árvore, existia a própria árvore que despertou em mim a correspondente representação...
Tal é, em resumo, o conteúdo da teoria materialista de Marx.
Não é difícil compreender a importância que deve ter a teoria materialista para a atividade prática dos homens.
Se primeiramente mudam as condições econômicas, e depois, de modo correspondente, muda a consciência dos homens, é claro que o fundamento deste ou daquele ideal devemos buscá-lo, não no cérebro dos homens, não em sua fantasia, mas no desenvolvimento de suas condições econômicas. É bom e aceitável tão somente o ideal que foi criado sobre a base do estudo das condições econômicas. São inúteis e inaceitáveis, todos aqueles ideais que não têm em conta as condições econômicas, que não se apóiam no desenvolvimento destas.
Tal é a primeira conclusão prática da teoria materialista.
Se a consciência dos homens, seus usos e costumes são determinados pelas condições exteriores, se a inadequação das formas jurídicas e políticas se baseia no conteúdo econômico, é claro que devemos contribuir para a transformação radical das relações econômicas, a fim de que juntamente com elas mudem pela base os usos e costumes do povo e sua ordem política.
Eis o que diz Karl Marx sobre isso:
"Não é necessária uma grande perspicácia para perceber a conexão que existe entre a doutrina do materialismo... e o socialismo. Se o homem extrai todos os seus conhecimentos, sensações etc., do mundo sensível... é preciso organizar, portanto, o mundo empírico de forma que o homem conheça nele o autenticamente humano e se habitue a conhecer a si mesmo como ser humano... Se o homem não é livre no sentido materialista, isto é, se é livre, não em virtude da força negativa de evitar isto ou aquilo, mas em virtude do poder positivo de fazer valer sua verdadeira individualidade, então não se deve punir o delito castigando o indivíduo, mas destruir as fontes anti-sociais do delito... Se o homem é formado pelas circunstâncias, então é preciso humanizar as circunstâncias (vide Ludwig Feuerbach, apêndice K. Marx sobre o materialismo francês do século XVIII").
Tal é a segunda conclusão prática da teoria materialista.
De que modo consideram os anarquistas a teoria materialista de Marx e Engels?
Se o método dialético tem sua origem em Hegel, a teoria materialista é o desenvolvimento do materialismo de Feuerbach. Isso é bem conhecido dos anarquistas, que tentam utilizar as deficiências de Hegel e Feuerbach para denegrir o materialismo dialético de Marx e Engels. Em relação a Hegel e ao método dialético, já assinalamos que tais artimanhas dos anarquistas só podem demonstrar sua própria ignorância. O mesmo cabe dizer em relação aos seus ataques contra Feuerbach e a teoria materialista.
Por exemplo: dizem-nos os anarquistas com grande empáfia que "Feuerbach era panteísta...", que "divinizava o homem..." (vide Nobati, nº. 7, D. Delendi), que "segundo a opinião de Feuerbach, o homem é aquilo que come...", que daí Marx deduziu, segundo eles, esta conclusão: "Conseqüentemente, a coisa mais importante e primária é a situação econômica..." (vide Nobati, nº. 6, Ch. G.).
De certo, ninguém duvida do panteísmo de Feuerbach, de sua divinização do homem e de outros erros seus do mesmo jaez. Pelo contrário, Marx e Engels foram os primeiros a evidenciar os erros de Feuerbach. Mas, não obstante, os anarquistas consideram necessário "desmascarar" de novo os erros já desmascarados. Por que? Provavelmente porque, fustigando Feuerbach, querem indiretamente denegrir a teoria materialista de Marx e Engels. Naturalmente, se examinarmos com isenção de ânimo a questão, é evidente que encontraremos em Feuerbach, ao lado de idéias erradas, também idéias justas, exatamente como ocorreu na história com muitos sábios. Mas os anarquistas continuam, não obstante, "desmascarando"...
Afirmamos nós, uma vez mais, que com semelhantes artimanhas não podem demonstrar senão a sua própria ignorância.
É interessante que (como veremos adiante) haja ocorrido aos anarquistas criticar a teoria materialista de ouvido, sem travar com ela o menor conhecimento. Como conseqüência disso, amiúde se contradizem e se desmentem reciprocamente, o que, como é natural, coloca nossos "críticos" numa situação ridícula. Por exemplo, a dar-se ouvidos ao senhor Tcherkezichvili, se evidenciaria que Marx e Engels odiavam o materialismo monista, e que seu materialismo era vulgar e não monista:
"A grande ciência dos naturalistas, com o seu sistema da evolução, com o transformismo e o materialismo monista, que Engels odeia com tanta força... evitava a dialética" etc. (vide Nobati, nº. 4, V. Tcherkezichvili).
Decorre, pois, que o materialismo das ciências naturais, que Tcherkezichvili aprova e que Engels "odiava", era um materialismo monista, e, conseqüentemente, merece aprovação, enquanto o materialismo de Marx e Engels não é monista e, logicamente, não merece reconhecimento.
Em troca, outro anarquista afirma que o materialismo de Marx e Engels é monista, e, por isso precisamente, merece ser rejeitado. "A concepção histórica de Marx é um atavismo de Hegel. O materialismo monista do objetivismo absoluto, em geral, e o monismo econômico de Marx, em particular, são impossíveis na natureza e errôneos na teoria... O materialismo monista é dualismo mal encoberto e um compromisso entre a metafísica e a ciência..." (vide Nobati, nº. 6, Ch. G.).
Decorre, pois, que o materialismo monista é inaceitável; Marx e Engels não o odeiam, mas, ao contrário, são eles mesmos materialistas monistas, em conseqüência do que é necessário rejeitar o materialismo monista. Um diz isso, outro diz aquilo! E vá saber-se quem diz a verdade: se o primeiro ou o segundo! Eles próprios não chegaram a nenhum acordo entre si sobre os méritos ou os defeitos do materialismo de Marx, eles próprios não compreenderam ainda se é monista ou não, eles próprios não elucidaram ainda o que é mais aceitável: se o materialismo vulgar ou o monista, e já nos atordoam com sua fanfarronice: destruímos, dizem eles, o marxismo!
Com efeito, com efeito! Se os senhores anarquistas continuarem rebatendo entre si tão zelosamente suas próprias opiniões, não há dúvida de que o futuro pertencerá aos anarquistas... Não menos ridículo é o fato de que alguns "famosos" anarquistas, apesar de sua "fama", não chegaram ainda a conhecer as diferentes tendências da ciência. "É que não sabem, segundo parece, que na ciência há diferentes variedades de materialismo, que entre elas existem grandes diferenças: há, por exemplo, o materialismo vulgar, que nega a importância do aspecto ideal e sua influência sobre o aspecto material, mas há também o chamado materialismo monista — a teoria materialista de Marx — que examina cientificamente a mútua relação entre o aspecto ideal e o material. Mas os anarquistas confundem essas diferentes variedades do materialismo, não vêem sequer as diferenças palpáveis existentes entre elas e, ao mesmo tempo, declaram com grande alarde: faremos renascer a ciência!
Assim, por exemplo, P. Kropotkin em seus trabalhos "filosóficos", declara com presunção que o anarquismo comunista se apóia na "filosofia materialista moderna"; não obstante, não diz uma palavra para esclarecer em que "filosofia materialista" se apóia o anarquismo comunista: se na vulgar, na monista ou em qualquer outra. Evidentemente, não sabe que, entre as diferentes correntes do materialismo, existe uma contradição radical, não compreende que confundir essas correntes, não significa '"fazer renascer a ciência'', senão demonstrar uma supina ignorância (vide Kropotkin, Ciência e anarquismo, assim como A anarquia e sua filosofia).
O mesmo cabe dizer também dos discípulos georgianos de Kropotkin. Ouçamos:
"Na opinião de Engels, e também na opinião de Kautsky, Marx prestou à humanidade um grande serviço porque ele...", entre outras coisas, descobriu "a concepção materialista." É certo isso? Não o cremos, pois sabemos... que todos os historiadores, sábios e filósofos que se atêm ao ponto de vista de que o mecanismo social é posto em movimento pelas condições geográficas, climático-telúricas, cósmicas, antropológicas e biológicas, todos eles são materialistas" (vide Nobati, nº. 2).
Segue-se daí que entre o "materialismo" de Aristóteles e o de Holbach, ou entre o "materialismo" de Marx e o de Moleschott não há nenhuma diferença! Que crítica! E pessoas com semelhantes conhecimentos se propuseram renovar a ciência! Não é em vão que se diz: "não vá o sapateiro além do sapato!...".
Há mais. Nossos "famosos" anarquistas ouviram dizer em alguma parte que o materialismo de Marx é "a teoria do estômago", e nos atiram em rosto, a nós, marxistas, o seguinte:
"Na opinião de Feuerbach, o homem é aquilo que come. Esta fórmula exerceu um influxo mágico sobre Marx e Engels'', em conseqüência do que Marx chegou à conclusão de que "a coisa mais importante e primária é a situação econômica, são as relações de produção....".
Então os anarquistas filosoficamente nos ensinam:
"Dizer que o único meio para esse fim (para a vida social) é a alimentação e a produção econômica, seria um erro...
Se, à maneira monista, a ideologia se determinasse principalmente pela alimentação e pela situação econômica, certos glutões seriam uns gênios" (vide Nobati, nº. 6, Ch. G.).
Eis aí como é fácil, ao que parece, refutar o materialismo de Marx e Engels. Basta dar atenção às maledicências de uma colegial qualquer que circulam sobre Marx e Engels, basta repetir essas maledicências com desenvoltura filosófica nas páginas de um Nobati qualquer, para se merecer imediatamente a glória de '"crítico'' do marxismo!
Mas digam-me, senhores: onde, quando, em que planeta e qual Marx disse que "a alimentação determina a ideologia"? Por que não citaram nem uma frase, nem uma palavra das obras de Marx em confirmação do que dizem? É certo que Marx disse que a situação econômica dos homens determina sua consciência, sua ideologia, mas quem disse que a alimentação e a situação econômica sejam a mesma coisa? Acaso não sabem os senhores que um fenômeno fisiológico, como é, por exemplo, a alimentação, se diferencia radicalmente de um fenômeno sociológico, como é, por exemplo, a situação econômica dos homens? Confundir esses dois diferentes fenômenos é perdoável, digamos, a uma colegial qualquer, mas como pôde ocorrer que os senhores, "demolidores da social-democracia", "renovadores da ciência'' repetissem com tanta leviandade um erro próprio de colegiais?
E como pode a alimentação determinar a ideologia social? Vamos, reflitam em suas próprias palavras: a alimentação, o modo de comer não muda; também na antiguidade os homens comiam, mastigavam e digeriam o alimento como agora; mas a ideologia muda continuamente. Antiga, feudal, burguesa, proletária: eis aí, seja dito de passagem, as formas que reveste a ideologia. Concebe-se que o que não muda determine o que muda continuamente?
Prossigamos. Na opinião dos anarquistas, o materialismo de Marx "não é outra coisa senão o paralelismo...". Ou também: "o materialismo monista é um dualismo mal encoberto e um compromisso entre a metafísica e a ciência...", "Marx cai no dualismo porque representa as relações de produção como coisa material, e as aspirações humanas e a vontade como uma ilusão e uma utopia, que não têm importância, ainda que existam" (vide Nobati, nº. 6, Ch. GH.).
Em primeiro lugar, o materialismo monista de Marx nada tem de comum com o tolo paralelismo. Do ponto de vista do materialismo monista, o aspecto material, o conteúdo, precede necessariamente o aspecto ideal, a forma. Em troca, o paralelismo rejeita esse ponto de vista e declara resolutamente que nem o aspecto material, nem o aspecto ideal precedem um ao outro, que ambos se desenvolvem juntos, paralelamente.
Em segundo lugar, ainda que inclusive, na verdade, "Marx haja representado as relações de produção como coisa material e as aspirações humanas e a vontade como uma ilusão e uma utopia que não têm importância", por acaso isso significa que Marx seja dualista? O dualista como bem se sabe, atribui igual importância ao aspecto ideal e ao material, como dois princípios opostos. Mas se, segundo as palavras dos senhores, Marx confere a maior importância ao aspecto material e, pelo contrário, não dá importância ao aspecto ideal, como uma "utopia" que é, então de onde extraístes, senhores "críticos", o dualismo de Marx?
Em terceiro lugar, qual pode ser a conexão entre o monismo materialista e o dualismo, se até as crianças sabem que o monismo parte de um princípio único — a natureza ou o ser — que tem forma material e ideal, enquanto o dualismo parte de dois princípios: o material e o ideal, os quais, segundo o dualismo, se negam reciprocamente?
Em quarto lugar, quando Marx "representou as aspirações humanas e a vontade como uma utopia e uma ilusão"? E certo que Marx explicava "as aspirações humanas e a vontade" pelo desenvolvimento econômico, e, quando as aspirações de certos homens de gabinete não correspondiam à situação econômica, as chamava utópicas. Mas será que, na opinião de Marx, as aspirações humanas em geral sejam utópicas? Acaso exige isso também esclarecimento? Acaso não leram os senhores as palavras de Marx:
"A humanidade propõe-se sempre só os problemas que pode resolver?" (vide o prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política);
isto é, falando em termos gerais, a humanidade não busca fins utópicos. É evidente que nosso "crítico" ou não compreende a matéria de que trata ou desfigura intencionalmente os fatos.
Em quinto lugar, quem lhes disse que, na opinião de Marx e Engels, "as aspirações humanas e a vontade não têm importância"? Por que não indicam os senhores o lugar em que Marx e Engels tratam disso? Acaso em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, em A Luta de Classes na França, em A Guerra Civil na França e em outros folhetos semelhantes, Marx não fala da importância "das aspirações e da vontade"? Por que, pois, tratava Marx de desenvolver no espírito socialista "a vontade e as aspirações" dos proletários, para que fazia propaganda entre estes, se não atribuía importância "às aspirações e à vontade"? Ou de que fala Engels em seus conhecidos artigos dos anos de 1891-94, senão da ' 'importância da vontade e das aspirações'' ? É certo que, na opinião de Marx, "a vontade e as aspirações" dos homens extraem seu conteúdo da situação econômica, mas acaso isso significa que elas mesmas não exercem nenhuma influência no desenvolvimento das relações econômicas? É acaso tão difícil para os anarquistas compreender uma idéia tão simples?
Uma "acusação" mais dos senhores anarquistas: "Não se pode imaginar a forma sem o conteúdo...", pelo que não se pode dizer que "a forma segue ao conteúdo'' (atrasa-se com relação ao conteúdo. K:)... um e outra "coexistem"... Em caso contrário, o monismo é um absurdo" (vide Nobati, nº. 1, Ch. G.).
Outra vez se afoga num copo d'água o nosso "sábio". É certo que o conteúdo é inconcebível sem a forma. Mas é certo também que a forma existente não corresponde nunca plenamente ao conteúdo existente: a primeira se atrasa em relação ao segundo, o novo conteúdo até certo ponto está sempre envolto numa velha forma, em conseqüência do que sempre existe conflito entre a velha forma, e o novo conteúdo. Precisamente nessa base se produzem as revoluções, e nisso se expressa, entre outras coisas, o espírito revolucionário do materialismo de Marx. Mas os "famosos" anarquistas não compreenderam isso, coisa de que, naturalmente, são eles mesmos os culpados e não a teoria materialista.
Tais são as concepções dos anarquistas sobre a teoria materialista de Marx e Engels, se é que no geral se lhes pode chamar concepções.
Notas:
(1) Isso não se acha de modo algum em contradição com a idéia de que exista conflito entre a forma e o conteúdo. Trata-se de que existe conflito, não entre o conteúdo e a forma, em geral, mas entre a "velha" forma e o "novo" conteúdo, o qual busca uma nova forma e tende para ela. (retornar ao texto)
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Inclusão | 20/05/2006 |
Última alteração | 03/09/2011 |